por CLAUDIO SCHAPOCHNIK

Em Marília, no interior paulista – distante 443 quilômetros da capital –, vive uma confeiteira especializada em fazer doces, pães e queijos com receitas autênticas da Lituânia. Somente sob encomenda. O nome dela é Ida Maura Arnaldo Preto, de 58 anos e natural de Garça, também no interior do Estado. Ela é a primeira neta do casal Pedro Matulionis – que nasceu em Alanta, na Lituânia, e imigrou para o Brasil – e Patrocínia, do interior de Minas Gerais. Eles tiveram sete filhos e filhas; Nina Neusa, mãe da Ida, é a terceira. Apaixonada pelo avô – o “seu Lituano”, apelido que ganhou dos amigos –, a doceira ouviu na infância ele contar as histórias e os relatos vividos no país natal. Tudo isso tornou-se a fonte de inspiração dela na atividade culinária.

Ida é graduada em pedagogia com pós-graduação em administração e psicopedagogia. Casada com o Luiz desde 1987, é mãe de dois filhos (Caroline e Gabriel).

“Hoje aposentada na área da educação, tenho me dedicado à gastronomia lituana, sendo este também um desejo de meu avô. Estou cursando uma pós em gastronomia e sempre me aprimorando nos cursos ligados à confeitaria”, diz Ida, na entrevista que concedeu ao QUE GOSTOSO! por e-mail.

A reportagem do QUE GOSTOSO! conheceu a confeiteira brasileira de origem lituana, por parte de mãe (Nina Neusa), em 2022 no Labas. Foi a terceira edição do evento que reúne cultura, artesanato, músicas, danças e gastronomia da Lituânia em São Paulo.

Organizado em conjunto pelo Consulado Geral da Lituânia em São Paulo, pelo Consulado Honorário da República da Lituânia no Guarujá e a pela Comunidade Lituano-Brasileira, o Labas foi realizado na maravilhosa Casa Museu Ema Klabin, no Jardim Europa. Vale lembrar que Klabin é um sobrenome, portanto falando de Ema também, de uma família judaico-lituana. Quando há essa origem dupla, recebe o nome de litvak.

Durante o Labas provei (e adorei) algumas lascas do, talvez, doce lituano mais famoso e carro-chefe da Ida: o Šakotis – o “Š” tem som de “sh”, portanto pronuncia-se shakotis. Conversei um minuto com a confeiteira, que vendia seus doces no evento, e peguei seu cartão.

Ida já viajou algumas vezes à Lituânia, onde tem parentes. Lá ela aproveita ainda para conhecer mais delícias e se aperfeiçoar fazendo cursos de gastronomia. Ela tem cidadania lituana e fala um pouco do (difícil) idioma do país.

“Com certeza, os doces lituanos são menos doces. A utilização de mel dá um sabor especial aos doces e pratos típicos lituanos”, conta ela na entrevista em comparação aos doces do Brasil. A confeiteira explica ainda os produtos que faz e como as pessoas podem comprá-los – e os despacha para todo o País.

Leia abaixo a entrevista completa. É um relato bastante interessante.

QUE GOSTOSO! – Você já viajou à Lituânia? Se sim, conte-me o que você conheceu por lá, em termos de cidades, atrações turísticas e pratos típicos.
Ida Maura Arnaldo Preto – Sim, viajei por seis vezes para a Lituânia. A cada viagem parece ser pela primeira vez. As expectativas já começam no planejamento, e o friozinho na barriga dura no antes, durante e depois. A cada viagem procuro conhecer um lugar diferente, as tradições e a cultura.

Em minha primeira visita à Lituânia, fiquei encantada com a confeitaria do local: as tortas do jeito que meu avô descrevia e as arvores frutíferas… Um sonho! Parecia que estava dentro de um livro de contos de fadas com castelo, maçãs, cervos, flores, muitas flores. Hoje, posso-te dizer que conheço várias cidades e diversos vilarejos.

Em uma próxima vez preciso conhecer Palanga, que já está no meu roteiro. Nas viagens procuro realizar cursos envolvendo pratos doces e salgados. Amo os doces, mas tenho estudado e pesquisado pratos salgados da culinária lituana também. Você não pode apenas fazer e seguir a receita, mas tem que pesquisar a qualidade dos ingredientes brasileiros onde o resultado final seja o mais parecido possível.

Os doces são divinos, com pouco açúcar, adoçados com mel e muito saborosos: šakotis, riesutelai, grybukai, juoda duona, pyragas su aguonų, sūris. Doces de maçã são meu forte na culinária. Foram várias tentativas para chegar ao resultado final. As receitas são cheias de segredinhos que não são repassadas para ninguém.

QUE GOSTOSO! – Nessa próxima viagem à Lituânia, você pretende fazer mais cursos ligados à gastronomia local?
Ida – Planejo voltar no próximo ano para rever meus parentes e amigos e realizar um curso de 30 dias, estudando as tortas e os pães diferentes com farinha de centeio.

QUE GOSTOSO! – Como e por que você começou a fazer doces lituanos? Por que doces e não salgados?
Ida – A confecção de doces lituanos é um troféu não só para mim, mas para minha família. Uma honra em lembrar e provar os sabores que meu avô Pedro descrevia com tanto entusiasmo nas rodas de conversa em família.

Eu cozinho salgados também, porém como toda receita lituana é demorada no preparo tenho limitado aos doces. Quando cozinho os salgados – capelinas e tortas de batata –, realizamos uma festa em família com bebidas lituanas também.

QUE GOSTOSO! – Atualmente quantos doces você produz? Conte sobre os produtos.
Ida – Atualmente faço os seguintes doces:

Šakotis: meu carro-chefe, e o faço em dois tamanhos. Leva ovos, manteiga, farinha de trigo, creme de leite, açúcar de baunilha (importado), açúcar e mel. Este doce necessita de um espeto especial para a execução. A massa demora cerca de três horas para finalizar e ficar saborosa. É assado em camadas e servido em festas de casamentos, aniversários, batizados, Páscoa, Natal e Ano Novo. As pontas representam uma árvore.

Riesutelai: a massa contém nata, açúcar, farinha de trigo, manteiga e recheio de doce de leite. É assado em forma especial, e o resultado é uma noz. Além de ser muito saboroso, pode enfeitar uma mesa de final de ano. Este é especial porque é uma receita de família. Meu tio-avô Boleslovas me ensinou com alguns segredinhos.

Grybukai: são biscoitos de mel em formato de cogumelo. A receita contém: farinha de trigo, mel, ovos, especiarias, manteiga, fermento em pó, sementes de papoula, chocolate e creme branco. São muito saborosos. Receita 100% lituana. São moldados à mão e podem ser recheados com chocolate.

Juoda duona: minha paixão. A receita tem com farinha de centeio, mel, extrato de malte, manteiga, sal e fermento natural. A massa é fermentada por três a cinco dias. O cheiro é muito bom e o sabor, igualzinho ao da Lituânia.

Pyragas su aguonų: são tortas. A massa contém farinha, ovos, açúcar, mel, manteiga, sementes de papoula, maçãs e frutas – conforme o pedido.

Sūris: queijo de receita 100% lituana.

Obuolių sūris – queijo da maçã. A massa contém maçã e pouco açúcar. Exige muita paciência para chegar ao ponto desejado. Muito gostoso e preferido das crianças.

QUE GOSTOSO! – Os doces lituanos são mais ou menos doces que os do Brasil?
Ida – Com certeza, os doces lituanos são menos doces. A utilização de mel dá um sabor especial aos doces e pratos típicos lituanos.

QUE GOSTOSO! – Como você vende seus doces?
Ida – Os doces são vendidos nas feiras na Vila Zelina [bairro com grande concentração de lituanos e descendentes], na Zona Sudoeste de São Paulo, e em eventos na cidade. As encomendas para todos os locais do País, com acréscimo do valor do frete, podem ser feitas pelo Whatsapp (14) 99902-7701, Instagram e Facebook.

Como minha casa fica próxima à rodovia, há sempre um descendente lituano encomendando um doce típico e retirando no local. Nesta hora que aproveitamos para tomar um delicioso chá ou café e degustar alguns quitutes lituanos.

Porém as pessoas entram em contato pelo Whatsapp, Instagram e Facebook e realizam a encomenda, envio o produto via Sedex 10 ou 12 ou ainda via transportadora. Os doces são embalados de maneira que não quebrem nenhuma pontinha. Para que isso seja uma realidade, meu esposo desenvolveu uma caixa onde os doces não se movimentam e não quebram. Trabalhamos em família para que um pedacinho da Lituânia chegue até sua família.

QUE GOSTOSO! – Quais são os três doces mais pedidos pelos seus clientes? Por quê?
Ida – Os mais pedidos são: šakotis, riesutelai, juoda duona e grybukai. Eu creio que são doces exóticos e o sabor é fiel ao lituano. Utilizo ingredientes de primeira qualidade, o que faz os doces ainda mais saborosos.

QUE GOSTOSO! – Você também vende seus doces para restaurantes? Se sim, em quais? Onde ficam?
Ida – Os doces são artesanais e confeccionados em família: “eu”. Prefiro manter a qualidade dos doces e confeccioná-los em menor quantidade.

QUE GOSTOSO! – Você gostaria de contar algo que não perguntei?
Ida – Logo terei novidades. A pedido de algumas pessoas, estou estudando a receita dos kibinai [salgado recheado e assado]. Digo estudando por que preciso testar os ingredientes para que o resultado final seja 100% com o paladar lituano. Kibinai com recheio de carne de porco, ovelha, frango e queijo. Skanus! (delicioso, em lituano) Gosto de pesquisar a cultura e faço também as bonecas lituanas.