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Shoshana (SP) dá nova cara à comida judaica

por CLAUDIO SCHAPOCHNIK

Após alguns meses da reabertura sob nova direção do único restaurante de comida judaica do Bom Retiro, um dos bairros mais cool de São Paulo, o Shoshana Delishop, fui almoçar num dia de semana no estabelecimento recentemente com um amigo. Refeição paga por nós. Agrego aqui algumas reminiscências do “Boteco do Shabat”, quando fui convidado pelos sócios a provar parte do cardápio em pequenas porções na sexta à noite. No cardápio, a presença da gostosa cozinha judaica da Diáspora.

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No alto, pedaços de guefilte fish com chrein e varenikes de batata e, acima, capa do cardápio do restaurante com a saladinha de repolho (fotos Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)
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Fachada do Shoshana Delishop, no Bom Retiro (foto Laís Acsa)

O novo Shoshana pertence a um grupo com mais de 25 sócios. Eles são liderados por três amigos que se conheceram no Bomra – apelido carinhoso do Bom Retiro: Benjamin Seroussi, diretor executivo do Centro Cultural Casa do Povo, onde funcionou a escola judaica Sholem Aleichem – a recepção do casamento dos meus pais foi nesse prédio e meus três irmãos estudaram lá –, pertinho do Shoshana; Inês Mindlin Lafer, que atua em várias associações focadas em projeto coletivos e comunitários de investimento social; e Arthur Hirsch, nascido e criado no Bom Retiro e sócio da Carlos Pizza.

Esse pessoal bacana preservou um patrimônio gastronômico do, talvez, mais multicultural bairro paulistano – ainda que representantes de um determinado país, quero crer que seja uma minoria, trabalhem para ganhar o protagonismo no bairro.

Torço que essa iniciativa de não siga adiante. O Bomra é o Bomra justamente pela diversidade étnica-cultural. Todos estão juntos e misturados – brasileiros, paraguaios, bolivianos, colombianos, árabes de diversos países, gregos, coreanos, judeus de várias procedências etc.

Seroussi e demais sócios preservam, com uma interessante abordagem contemporânea, o estabelecimento aberto na rua Correia de Melo em 1991. Primeiro como delikatessen e depois como restaurante, foi fundado pelo casal de israelenses Adi, já falecido, e Shoshana Baruch.

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O casal fundador do estabelecimento, Shoshana e Adi Baruch (foto Facebook)

A nova gestão começou no final de 2021 após a casa ficar fechada por quase um ano. Depois de uma ampla reforma, o Shoshana reabriu em setembro de 2022. A permanência do nome, com a devida autorização da dona Shoshana, que continua à frente da sua Casa Búlgara – cuja especialidade são as burekas maravilhosas, também no Bomra –, é ainda uma (justa) homenagem à cofundadora.

SALÃO COM BRIGADA E PLAYLIST DIVERSAS
O piso do Shoshana é bem paulistano: feito com retalhos de azulejos. Totalmente aberto para a calçada, o salão com paredes de cor branca reúne diversas mesas, algumas fotos e antigas críticas enquadradas de jornais.

O que mais me chama a atenção, no âmbito decorativo, é, na verdade, algo de comer: o desfile de enormes potes de vidro onde os vegetais aguardam para serem degustados como picles pelos clientes.

Nome técnico do grupo de pessoas que trabalha fora da cozinha de um restaurante, como garçom, garçonete, maître, sommelier, mixologista, recepcionista etc, a brigada é diversa. Achei um ponto bastante relevante. Traz um corte representativo do País.

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Latkes: clássico prato judaico está no menu da casa (foto Laís Acsa)
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Respeito e gentileza no cardápio (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)

Diferentemente do Shoshana na gestão da família Baruch – comparações são inevitáveis –, toca uma playlist que acaricia os ouvidos.

Quando almocei lá no mês passado, onde permaneci por 1h30 na companhia de meu amigo, ouvi canções, entre outros, dos maravilhosos Milton Nascimento, Gilberto Gil e Luiz Melodia. Show!

Ao mesmo tempo, refleti. Junto com esses talentosos artistas que gosto tanto, dando o tempero brasileiro à seleção, a playlist poderia ter músicas de bandas klezmer antigas ou contemporâneas e de Fortuna. Dessa forma, por exemplo, artisticamente e respectivamente, as culturas sefaradi e asquenazi estariam presentes pari passu à ampla representação de pratos no cardápio. Explico.

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Mishmash: entrada reúne ovo com fígado de galinha e ovo com cebola, a minha preferência (foto Laís Acsa)

Fortuna, cujo nome é Fortunée Joyce Safdié, cantora brasileira de origem judaico-árabe, fez um trabalho gigantesco, talentoso e maravilhoso do resgate de canções em ladino ou judeu-espanhol – idioma dos judeus da Península Ibérica e levado, depois das expulsões no final do século 15 da Espanha e de Portugal, para outros pontos do Mediterrâneo. É falado ainda hoje por comunidades em Istambul e Izmir, ambas na Turquia, por exemplo. Fortuna canta docemente em ladino em vários CDs.

Klezmer é um estilo de música judaica asquenazita por excelência, ou seja, originária de países do Leste Europeu. Pode ser instrumental e/ou cantada, aí no delicioso idioma iídiche – que vem do alemão da Idade Média mesclado com palavras hebraicas e eslavas e escrito no alfabeto hebraico.

Saborear o delicioso borscht (sopa de beterraba) do Shoshana, que recomendo – servido com creme azedo, que gostooooooso! –, ouvindo klezmer pode evocar, em parcela da clientela da casa, tenho certeza, recordações familiares. Seria o meu caso, neto de judeus da Lituânia e Bessarábia (atual Moldova). Para quem não é judeu ou que não conhece esses idiomas e estilos, acredito que poderiam soar interessantes.

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O gostoso schnitzel com trio de saladas (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)

Por falar em clientela, no dia de meu almoço, cheguei minutos antes do meio-dia. Quarenta minutos mais tarde, o salão estava praticamente cheio. O bacana é ver a diversidade étnica. Numa mesa perto da minha, por exemplo, um possível coreano saboreava um schnitzel (R$ 38) com bastante apetite.

O prato é um filé de frango empanado e frito servido com um trio de saladas – batata, repolho e folhas. A opção do provável coreano foi a mesma do meu amigo. Provei um pedaço do schnitzel dele. Estava ótimo: crocante por fora e macio e úmido por dentro. Que gostooooooso!

CARDÁPIO ENXUTO
A cozinha do novo Shoshana é liderado pela dupla Clarice Reichstul e Graziela Tavares, respectivamente, chef e consultora e chef (ex-Bar Sabiá). Vale destacar que a comida servida não é kasher (ou kosher), ou seja, não segue as leis dietéticas da Torá, o livro sagrado do judaísmo. No entanto, por exemplo, a casa não serve carne de porco nem frutos do mar – proibidas pelas mesmas normas.

Ambas deram uma cara mais contemporânea, no visual, e variada, com uma presença geográfica judaica mais ampla, ao cardápio que havia na gestão da família Baruch.

Alguns itens, no entanto, permanecem. São os casos da saladinha de repolho (cortesia de boas-vindas) e do pudim de leite (R$ 18), receita exclusiva da dona Shoshana que permitiu a utilização no estabelecimento. Ambas as opões continuam deliciosas. Imperdíveis. Que gostooooooso!

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O cardápio traz nomes beem diferentes, daí o conselho com bom humor judaico (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)

A ampliação geográfica, por exemplo, trouxe a Tunísia ao menu. Do lindo país de maioria muçulmana no Norte da África – que conheci em 2022 numa viagem a serviço pela Flot Viagens e onde há uma pequena população judaica distribuída entre a capital, Túnis, e principalmente a ilha de Djerba –, Clarice colocou o ajlouk de potiron (R$ 28). É um purê de abóbora assada com harissa – tradicional e deliciosa pasta de pimenta icônica daquela nação. É bem bom. Que gostooooooso!

[Na Tunísia, os tunisianos saboreiam harissa misturada com bastante azeite de oliva para depois comê-la com pão. Provei assim também. Que gostooooooso!]

Também da Tunísia, o cardápio traz a shakshuka. Não me recordo se havia no menu dos Baruch. São ovos moles cozidos no molho de tomate e pimentão com especiarias. É servida apenas aos domingos. Ainda não a provei.

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Porção de borscht (foto Laís Acsa)

O cardápio do Shoshana passou por uma redução no número de pratos quando comparado à gestão anterior. Havia antes também a possibilidade de combinar as opções, ou seja, o cliente montava o prato de acordo com suas preferências. Justificadas talvez por uma reengenharia financeira, não curti essas mudanças.

MEU ALMOÇO
Pedi, e compartilhei com meu amigo, uma porção de hering (R$ 38) e uma de picles do dia (R$ 15). Pedi ainda uma unidade de guefilte fish (R$ 18) e uma porção de varenikes de batata (R$ 32).

Na travessa, o hering (arenque) com cebola roxa veio acompanhando de folhas verdes baby e um pão branco que lembrava a pita (pão sírio). Uma cumbuquinha com manteiga também fazia parte. O peixe estava ótimo, mas o pão, para dar a liga cultural, deveria ser o preto.

Em relação ao picles, a porção veio com cenoura e maxixe. Sim, maxixe! O picles de maxixe, cortado em fatias, estava, dentro dessa forma de conservação de alimentos, com um sabor para lá de surpreendente. Virei fã. Que gostooooooso! Cortada muito fina, a cenoura poderia ser apresentada em pedaços mais substanciosos.

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Travessinha com o hering: peixe paixão dos judeus asquenazitas (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)
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Porção de picles, com o surpreende maxixe e a finíssima cenoura (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)

O guefilte fish, pequeno, não estava ruim, porém poderia ser salgado ao invés de doce. Já li sobre uma linha no mapa da Europa Oriental que divide a receita dessa gostosura em doce ou salgada. Os países onde nasceram meus avós, Lituânia e Bessarábia (Moldova), estão na parte que usa o sal. Portanto, culturalmente, “bati” de frente com esse do Shoshana. Minha mãe sempre fazia, maravilhosamente, o salgado. O bolinho dela foi o melhor que já comi na vida. O restaurante poderia oferecer guefilte fish nas duas formas para agradar a todos.

O chrein, molho à base de raiz forte tingido com beterraba, que acompanha o guefilte fish, foi uma decepção. Estava doce como o vegetal que o tinge e sem qualquer vestígio de raiz forte.

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O pequeno e doce guefilte fish da casa com o chrein, que passou longe de qualquer picância (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)
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Porção de varenikes de batata com creme azedo ao centro (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)

O varenike de batata, cuja porção vem com oito unidades, estava bom, porém perdeu muitas hélices do DNA original. A massa, que recebe outros nomes dependendo do país e lembra o ravióli, estava unitariamente pequena e ganhou uma gostosa crosta crocante derivada por ser salteada na manteiga. No entanto se mostrou distante daqueles raviolões brancos e apenas cozidos. Bateu aquela saudade do varenike do antigo Shoshana.

DRINQUES E BOTECO ÀS SEXTAS
Duas decisões bacanas do novo Shoshana foram a confecção de drinques e servir itens do cardápio no melhor estilo de um boteco.

A carta de bebidas com e sem álcool leva a assinatura criativa de Günter Sarfert, que usa e abusa de ingredientes fundamentais na gastronomia judaica, como vodka e mel. Além do trabalho mixológico em si, os nomes que Sarfert escolheu são interessantes e têm ligação total com a proposta da casa.

Confira alguns quatro dos drinques criados por ele: Mensch Martini leva vodka infusionada com azeite, gin, vermute seco e salmoura dos picles da casa; o Dona Shoshana (cujo nome significa Rosa, em hebraico) é feito com tequila branca, limão, açúcar, Campari e clara de ovo; Meshiguene (louco, em iídiche), versão do Schleper Fizz, com limão, açúcar, ginger ale e angostura; e o Rosa L., que homenageia a filósofa e revolucionária marxista judia polonesa Rosa Luxemburgo (1871-1919), com gin, Aperol, licor de flor de sabugueiro, limão, Angostura, água de rosa e espumante. Já provei este último. Que gostooooooso!

A casa faz ainda os coquetéis clássicos.

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Günter Sarfert prepara um de seus drinques (foto Laís Acsa)

Sobre o “Boteco do Shabat”, referência ao dia do descanso semanal judaico, que começa no pôr-do-sol da sexta e segue até o pôr-do-sol do sábado, tive a oportunidade de ir a uma edição no ano passado a convite de Benjamin Seroussi.

Nesse dia, a partir das 18h, o cardápio muda. Confira: guefilte fish frito, sanduíche de berinjela aperitivo e shot de sopa de tomate (vegano), sanduíche de corned beef aperitivo, latkes (bolinho frito de batata) canapé de língua, roll-mops de arenque e picles) e shot de borscht, entre outras opções.

Depois, numa grande sacada, foram incorporadas cadeiras de praia, aquelas de alumínio e plástico, que os clientes podem usar para se sentar na calçada do Shoshana.

O restaurante está nas mãos de um grupo bastante criativo, que faz uma comida gostosa numa casa leve e bem humorada, a fazer acertos pontuais, iniciando um novo ciclo depois de quase três décadas sob gestão da família Baruch, que fez história com sua comida fantástica. Vida longa ao Shoshana. Le chaim! (à vida, em hebraico).

No Instagram (veja mais abaixo), há o cardápio completo. Sugiro a leitura.

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O pudim: simplesmente imperdível (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)
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O saboroso cafezinho para fechar o almoço (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)
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A conferência de conta do almoço com meu amigo (foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)

SERVIÇO:
Shoshana Delishop
Rua Correia de Melo, 206, Bom Retiro, São Paulo/SP
Whatsapp: (11) 93386-4774
Horário: terça a sexta, 12h às 15h, e quinta e sexta, 18h às 23h; sábado, 12h às 16h e 18h às 23h; e domingo, 11h às 16h; fecha segunda
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2 comentários sobre “Shoshana (SP) dá nova cara à comida judaica

  1. Gostei do seu comentário sobre o guefilte fish, vc tem a mesma descendência que a minha e tbm vou bater de frente, a receita da sua avó era a mesma da minha mãe e tbm era a mais deliciosa do mundo. Achei como vc disse muito pequeno bolinho e no geral pelo que comeram ficou caro. Mas vale a pena ir até lá para degustação! Obrigado

  2. Cláudio, parabéns pelo texto,amei! É uma deliciosa viagem.
    Senti falta apenas da referência ao PacaPolaca, da Clarice Reichstul, que me traz boas lembranças, inclusive do Borcht que você cita.
    A descrição é um convite à um mundo de sabores, que pretendo experimentar.

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