por Claudio Schapochnik
Quantas vezes a gente fala ou faz algo quando criança e, muitos anos depois, não é que a vida nos encaminha para aquilo que falávamos ou fazíamos na tenra idade? Pois é… Esta também é a história do chef pâtissier Daniel Amaral, nascido em Cubatão (SP), assumidamente doido por chocolate e brigadeiro. Em 2012, Amaral fundou a empresa Sagrado Brigadeiro que, como o nome denota, produz brigadeiros mas que, com o passar dos anos, se enveredou ainda por outros doces.
Conheci o Amaral anos atrás, quando trabalhava em um outro veículo de comunicação. Participamos de uma viagem de jornalistas – presstrip, em inglês – à região francesa da Borgonha. Foi uma viagem turístico-gastronômica maravilhosa, com almoços e jantares em casas listadas no Guia Michelin. Ao todo, eu, o Amaral e os demais jornalistas que estavam na presstrip “comemos” mais de 20 estrelas Michelin, em restaurantes e hotéis, naquela cerca de uma semana de viagem.
Nesta longa entrevista ao Que Gostoso!, realizada via e-mail, Amaral fala do início da atividade, das dificuldades e dos desafios, de quem admira no segmento em que trabalha e dos seus planos. É um bate-papo muito gostoso.
“Mas de fato sou muito feliz por esse sucesso todo que a Sagrado Brigadeiro vem fazendo, conquistando cada vez mais clientes e fãs. Ouço muitas histórias de pessoas que começaram a fazer doces por minha causa, que se inspiraram na Sagrado Brigadeiro. Há coisas que o dinheiro não paga e essa é uma delas!”, afirma, com felicidade, o criador da marca.
Confira abaixo a íntegra da nossa conversa.
QUE GOSTOSO! – Quando criança, você gostava mais de comidas salgadas ou doces? Por quê?
Daniel Amaral – Cresci comendo doces, pois meu pai adotivo – sim, fui adotado quando tinha um ano por meus padrinhos de batismo! – tinha um bar. Uma linda história de um homem que construiu muito e começou a empreender com um carrinho de doces que fez história na porta das escolas em Cubatão, cidade onde nasci e que meu pai/padrinho, o saudoso Seu Zé, escolheu para ganhar a vida logo após se casar com minha mãe/madrinha. Acredito que minha herança foi essa, pois vem de berço essa paixão por doce. Ironicamente, meu pai biológico, que só fui conhecer aos 14 anos, era quem vendia doces para meu pai José quando este começou a empreender. Com o carrinho de doces, ele construiu a casa onde moramos, montou seu bar/boteco e escreveu toda uma história que um dia pretendo transformar em livro.
QUE GOSTOSO! – Você se lembra quando comeu o primeiro brigadeiro e quem fez o doce?
Amaral – Minha lembrança mais doce vem da infância. Minha avó Maria, madrasta de minha mãe Nélia, morava numa fazenda em Aracitaba (MG), e todo ano íamos visitá-la. Eu saía de casa com uma lata de leite condensado nas mãos e só a largava depois de entregá-la à minha avó. Adivinhe o que ela fazia? Brigadeiros, claro. Meus aniversários também tiveram mesas memoráveis, com muitos doces. Sou da época que as festas eram feitas em casa. Uma irmã fazia o bolo, a outra enrolava doces. Não existia essa ostentação de hoje, com mais enfeites que comida. A fartura era que contava, não a decoração. Então eu tive uma infância feliz, cercado de meus pais, irmãos… os adotivos e biológicos. Tudo era festa, tudo se resumia a brigadeiro.
QUE GOSTOSO! – Por que foi o brigadeiro – e não outro doce, brasileiro ou não – que você resolveu produzir profissionalmente?
Amaral – Sempre fui chocólatra. Levava dinheiro para gastar na cantina da escola e só comprava chocolates. Quando comecei a fazer os primeiros brigadeiros, já arriscava fazê-los com chocolate em barra… Eu me achava o [Albert] Einstein (1879-1955) por isso. Eureka! Tinha descoberto um brigadeiro melhor que os de padaria e com gosto de ovo de Páscoa. Por fim, uma paixão que virou negócio.


QUE GOSTOSO! – Bem, você fundou a sua empresa, a Sagrado Brigadeiro, em 2012. Por que você tomou esta decisão de fazer e vender profissionalmente este doce?
Amaral – Nessa época eu tinha desistido de ter um blog de moda – graças a Deus, pois virou um circo essa coisa toda de influencers e looks do dia! – e estava começando a fazer freelas para o site da Drops Magazine. Toda vez que ía a São Paulo, levava brigadeiro de colher para o publisher Fredy Campos, o primeiro cara a acreditar no meu potencial jornalístico e me estender a mão no mercado editorial. Depois de provar o meu brigadeiro de colher de capim santo, Fredy me disse para investir nisso e eu fui picado pela mosca do empreendedorismo. Levou alguns meses até eu aceitar essa ideia… Eu era muito fã da Juliana Motter, a jornalista que largou tudo para fundar a Maria Brigadeiro e criou todo esse conceito de doce gourmet que existe hoje, mas foi banalizado como tudo é banalizado no Brasil. Um dia, voltei da megalópole com algumas sacolas de panelinhas de plástico, potes para geleias e uma ideia na cabeça. Estava com contas para pagar e gastei o dinheiro todo em embalagens. Minha mãe quase me matou, mas ainda me emprestou mais R$ 100 para que eu comprasse a matéria-prima necessária para os primeiros brigadeiros. Munido de chocolate, leite condensado, manteiga e muita vontade eu fiz a primeira remessa. Quando tudo ficou pronto, chorei. Estava com vergonha de sair às ruas oferecendo doce para os amigos comprarem, pois estes estavam acostumados a ganhar. Escolhi a loja de uma amiga e lá fiquei até vender tudo. Fiz dinheiro suficiente para pagar minha mãe e fazer um pequeno estoque.
QUE GOSTOSO! – Conte-me sobre a escolha do nome da sua empresa.
Amaral – Fui criado numa família muito católica, com pais ministros de Eucaristia na Igreja Matriz da cidade. Muito devoto de Nossa Senhora, lembrei do Sagrado Coração de Maria – o segundo nome de minha mãe/madrinha! – e quis homenageá-las. Nasceu, então, a Sagrado Brigadeiro em agosto de 2012.

QUE GOSTOSO! – Como foi, durante alguns anos, você ter uma dupla jornada profissional – a Sagrado Brigadeiro e os seus trabalhos como jornalista e relações públicas? Deve ter sido uma loucura arrumar tempo para fazer tudo, hein?
Amaral – Schapo, eu sou um cara de muita sorte, viu? Quando criei a Sagrado Brigadeiro, meu trabalho para a Drops Magazine era remoto. Eu escrevia um texto de moda e/ou comportamento por semana, então a dupla jornada era tranquila. Quando me mudei para São Paulo para gerenciar um salão de beleza na rua Frei Caneca, só produzia aos finais de semana quando descia a Serra [do Mar]. Eu avisava aos clientes pelas redes sociais que estaria em Cubatão, anotava as encomendas e as produzia no domingo pela manhã para entregá-las no horário do almoço. Quando os pagamentos de salário no salão começaram a atrasar e só o que eu recebia da Drops não pagava meu custo em São Paulo, pedi demissão do salão e voltei para casa. Fazia os textos para a Drops, cozinhava de quinta a sábado e só ia à capital nas temporadas de moda, quando passava a semana toda fazendo a cobertura em tempo integral e comentava os desfiles como discípulo de Regina Guerreiro, para mim a maior crítica de moda do Brasil. Os blogueiros de moda ainda não dominavam as primeiras filas e todos os flashes. Os desfiles eram mais importantes que as celebridades presentes. Vivi momentos memoráveis cobrindo esses eventos de moda no Brasil, mesmo depois que saí da Drops e fui para a Top Magazine, aonde eu realmente vivi o dia de uma redação e aprendi esse ofício tão lindo que é o jornalismo, sou muito grato ao Claudio Mello, mas a Melissa Lenz, a Christine Engel e a Milene Cardoso me ensinaram muito mais… Aprendi tanto que ganhei uma estagiária só para mim, a Vanessa Del Rios… Mas sou autodidata, viu? Por isso digo que tive muita sorte. Nunca me intitulei jornalista em respeito aos que estudaram para isso e têm diploma, sempre fui mais um curioso e apaixonado que se jogava e tirava leite de pedra para fazer um texto. Só que a paixão por doces estava adormecida enquanto isso. Um dia me cansei de vez, pedi demissão da Top Magazine, e a Sagrado Brigadeiro foi tomando mais forma, ganhando mais espaço na minha vida.


QUE GOSTOSO! – Como foi o primeiro ano de Sagrado Brigadeiro?
Amaral – Olha, não digo o primeiro ano, mas os primeiros foram bem complicados. Como sempre tive uma vida dupla, até por ter me acostumado ao mercado de luxo em que trabalhei, eu nunca levei tão a sério. Eu mais gastava do que empreendia. Talvez se não tivesse comprado tanto sapato e terno italianos, teria uma linda loja. Teria sido a primeira brigaderia artesanal – não curto a palavra gourmet! – da Baixada Santista com loja, mas não, eu sempre dei prioridade ao luxo, ao ter, não ao ser. Minha ficha só caiu mesmo quando perdi meu pai no ano passado. Veja que ironia do destino, ele, tão devoto de Nossa Senhora Aparecida, deu seu último suspiro na cidade de Aparecida, no domingo em que a França ganhou a Copa do Mundo de 2018. Foi o maior soco no estômago que levei. Ainda hoje, alguns meses depois, sinto o mesmo soco daquele domingo. Quando no velório alguém pediu autorização à minha mãe para colocar um pirulito nas mão de meu pai, entendi que ali começava minha nova obrigação de adoçar as vidas. Eu já me sentia fazendo isso, mas não levava a sério, não vendia toda semana, produzia a Deus dará, quando tinha vontade de fazer um dinheiro extra para comprar ou pagar algo. Não foi a maneira mais plausível de entender a vida, mas foi a minha válvula de escape. Depois que meu pai José se foi, nunca mais parei de trabalhar, toda semana invento algo novo, uma ação, uma venda com pronta entrega em alguma loja…
QUE GOSTOSO! – Quando você deixou os demais trabalhos para se dedicar exclusivamente à sua empresa? Por que você tomou esta decisão?
Amaral – Meu último trabalho fixo, com carteira assinada e obrigações contratuais, foi para o maquiador Duda Molinos. Trabalhei com o Duda alguns meses, mas no final de 2015 descobri que estava com depressão e síndrome do pânico. Tentei suicídio na noite do Ano Novo e só estou aqui para contar essa história por ter sido salvo pela minha irmã. Sem saber dos meus planos, ela me salvou. Em fevereiro de 2016 comuniquei ao Duda que voltaria para casa, inventei uma história qualquer e pedi demissão. Cumpri o aviso prévio e voltei para casa faltando duas semanas para a Páscoa. Mesmo sem falar nada sobre meu diagnóstico para ninguém, me ocupei com a produção dos ovos. Eu que faço as cascas até hoje, com temperagem de chocolate e tudo o mais, me recuso a usar chocolates fracionados. Sigo a máxima de Miuccia Prada: vendo aquilo que consumo! No entanto, depois da Páscoa a depressão foi dura comigo. Parecia que o mundo estava me virando as costas. Nada me fazia feliz e eu não tinha coragem nenhuma de falar sobre isso com outras pessoas que não fossem a minha terapeuta e o meu psiquiatra. Fato é que nesse mesmo ano, perdi um amigo muito próximo. O choque de realidade fora tão grande que o psiquiatra que me tratava passou uma outra medicação mais forte que eu não comprei… Nunca mais tomei um ansiolítico na vida. Foquei nos doces e, mesmo que não levasse tão a sério e comprasse cada vez mais sapatos, fui me curando da depressão e fincando meus pés cada vez mais na confeitaria. Ainda tentei colaborar com uns veículos, mas não insisti mais quando o salário não chegou como combinado…

QUE GOSTOSO! – No Instagram da Sagrado Brigadeiro – sou seu seguidor e, parabéns!, a ferramenta é super bem trabalhada –, em um post de 12 de fevereiro passado, quando uma receita de brigadeiro gourmet foi publicada, você faz uma observação importante: “O uso de um chocolate de qualidade faz toda a diferença na finalização e sabor do brigadeiro”. O que é um chocolate de qualidade? Pode citar as marcas que você admira e recomenda, tanto nacionais quanto estrangeiras?
Amaral – Sempre tive paladar muito apurado para chocolate e criei uma aversão às coberturas e afins. Acho um total desrespeito ao consumidor um doceiro cobrar por algo sem qualidade, mas meu gosto pessoal refinado talvez se deva às oportunidades que tive de provar da alta gastronomia. Sinto até hoje nas papilas o sabor daquela ostra que provamos juntos no L’Esperance durante nosso tour pela Borgonha. Eu me arrepio sempre que penso naquele sorvete de limão servido em seguida, regado de muito chablis, bem ao lado daquele piano onde Serge Gainsbourg (1928-1991) tocara antes de morrer. Mas, voltando ao chocolate, acho que o Brasil tem, sim, ótimas opções de chocolates considerados nobres. Marcas como Nestlé e Garoto têm qualidade inquestionável, mas prefiro Sicao, que faz parte da linha brasileira produzida pela Barry Callebaut. Óbvio que eu prefira o belga Callebaut, principalmente o que tem 70,05% de cacau, mas não é disso que meu cliente gosta. A maioria prefere itens mais doces, por isso faço uso de um blend de chocolates que eu mesmo melhorei nas minhas receitas de um brigadeiro clássico de colher. Uso o chocolate Blend da Sicao e uma porção menor do chocolate 70,05% cacau da Callebaut. Uma mistura entre Brasil e Bélgica que tem dado certo e agradado o paladar dos consumidores da Sagrado.
QUE GOSTOSO! – É por aí mesmo: jamais deve-se usar margarina para fazer brigadeiro? Por quê? Para um expert como você, dá para sentir se o brigadeiro foi feito com gordura vegetal ou animal?
Amaral – Já provei receitas que não levavam nenhum dos dois e ficaram deliciosas. Para o brigadeiro de colher, uso uma porção de manteiga menor, só para dar brilho e viscosidade ao mesmo. No caso de uma receita para brigadeiros enrolados, dobro a quantidade. A diferença entre manteiga e margarina só é perceptível num paladar muito refinado e treinado, como o do Cesar Adames, maior entendedor de bebidas que já conheci na vida. A gordura animal, sabemos, é mais pura, enquanto a vegetal tem sabor questionável e qualidade muito inferior – tanto não faz bem que só aumenta o colesterol. Na dúvida, se faltar a manteiga, melhor não usar margarina ou usar uma com uma porcentagem maior de lipídios.

QUE GOSTOSO! – Quais são os “pecados capitais” que devem ser evitados na hora de se fazer um bom brigadeiro?
Amaral – O maior pecado capital que deve ser evitado na hora de se fazer não só um bom brigadeiro, mas qualquer outro tipo de comida, é pensar no lucro e não na qualidade do insumo. Nada mais antiético que oferecer “porcos às pérolas” e não o contrário. De nada adianta uma estratégia de vendas, número considerável de seguidores no Instagram se a qualidade do produto oferecido é péssima. O problema é que, como o brigadeiro ganhou status de luxo, todo mundo agora virou entendedor do assunto, mas não respeita nem a receita básica do mais brasileiro dos doces.
QUE GOSTOSO! – Nossos doces, assim como vários portugueses, são doces mesmo e ponto final. Em 2014, o chef britânico Jamie Oliver esteve em São Paulo e provou os nossos brigadeiro e quindim. “Isso é um bando de porcaria”, opinou ele. O que você acha desta declaração dele?
Amaral – O paladar do outro não nos pertence. Provei iguarias deliciosas nas viagens que fiz, mas se você me perguntar se prefiro um cassoulet ou uma feijoada, um opera ou um brigadeiro, ficarei com as versões da nossa terra, claro. Acho que Jamie Oliver foi apenas desagradável e desrespeitoso com seu comentário, mas quem sou eu para questionar um cara com milhões de livros vendidos e entendedor de gastronomia como ninguém? Fui ao seu restaurante em São Paulo, por exemplo, gostei da comida, mas não do atendimento e também não achei nenhum banquete de Baco. Prefiro a galinhada do Alex Atala, o steak tartar do Le Vin e até mesmo o risotto de limão siciliano tão comum do Spot. Clichê até dizer chega, mas é aquela velha história: mexa comigo, mas não com o meu país e nem com a nossa cultura gastronômica! Risos altos…
QUE GOSTOSO! – E aí, qual é o retorno dos seus clientes sobre seus brigadeiros?
Amaral – Graças a Deus, o retorno é bem positivo. Há algumas reclamações sobre não ter pronta entrega todos os dias, sobre não ter delivery… Há quem ache muito doce, há quem ache muito amargo, há quem me ache até blasè… Mas de fato sou muito feliz por esse sucesso todo que a Sagrado Brigadeiro vem fazendo, conquistando cada vez mais clientes e fãs. Ouço muitas histórias de pessoas que começaram a fazer doces por minha causa, que se inspiraram na Sagrado Brigadeiro. Há coisas que o dinheiro não paga e essa é uma delas!
QUE GOSTOSO! – Pode contar quantos brigadeiros você vende por mês? Você trabalha sozinho ou não?
Amaral – Infelizmente nunca consegui fazer essa conta, pois tenho cada vez mais produtos no cardápio, que será fixo após a Páscoa. Hoje o número maior em vendas representa os bolos no pote, que eu relutei muito em produzir por achar que era só uma modinha passageira. Toda semana invento e testo um novo recheio para as bases de chocolate (sempre!) e vejo a reação dos clientes. O campeão de vendas é o bolo de massa de chocolate intenso com recheio de Laka Oreo. Para meu paladar, são todos muito doces, mas os consumidores amam. Por eles, eu até paro de torcer contra Ninho com Nutella, outro clichê que meu paladar não digere! Sobre trabalhar sozinho, tenho uma assistente free lancer e conto com a ajuda de minha irmã Neide quando tem festas e eu preciso entregar muitos doces. Todos os brigadeiros para festa são enrolados no dia da entrega para não cristalizarem. Um cuidado raro, mas necessário com o cliente.

QUE GOSTOSO! – Acho suas embalagens e os adereços das mesmas assim como as fotos dos produtos no Instagram da Sagrado de muita criatividade e beleza. Em que maneira a imagem é importante? Estes insumos somam quanto, em porcentagem, do custo do produto?
Amaral – Imagem, principalmente nessa era digital, é a coisa mais importante. Já recebi pedidos de orçamento de clientes que só queriam o nome da Sagrado Brigadeiro na festa delas, mas me pediram para mudar a qualidade da matéria-prima para baratear o custo do produto. Lógico que não aceitei! Isso só mostra o quanto imagem e status valem mais que a qualidade. Não tenho uma conta no Instagram com tantos seguidores como vejo a de outros empreendedores que começaram depois de mim, mas eu não quero número, quero vendas. Eu faço o que posso e o que sei com meu celular e chego a tirar fotos que não posto por julgá-las péssimas, ainda que seja uma caixinha de surpresas o engajamento dos seguidores. Já postei fotos lindas e tratadas que não obtiveram resultado e já postei fotos comuns com muitos likes. É uma loucura essa era, as vezes me perco, confesso… Não é fácil ser o rosto por trás de uma marca de doces, cozinhar, fotografar, postar, gerir as redes, responder às perguntas que estão respondidas na imagem e ainda conseguir tempo para ser gentil o tempo inteiro. Não lido com público AAA, que exige demais mas recompensa na mesma medida; lido com um público mais simples, que quer apenas comer um doce e ver uma foto bonita e provocativa no Instagram. E nisso se inclui a embalagem. Eu não tenho uma linha de louças como desejo, mas penso em brigadeiro 24 horas por dia e nas embalagens mais diversas. Quando criei uma taça com brigadeiro de colher para a Páscoa de 2014 não existia esse boom de sobremesas em taça. De repente, em todo lugar vende uma sobremesa na taça agora. Sobre a porcentagem desses insumos, somam em média 30% do valor do produto, mas depende muito do valor final que eu pago por eles. Já vendi itens limitados por R$100, agora as pessoas querem doces para consumir na hora e preferem itens presenteáveis mais baratos.
QUE GOSTOSO! – É isto mesmo: as suas vendas são apenas sob encomenda – a retirar na sede da Sagrado – e quando você participa de eventos ou monta uma mesa em lojas de parceiros aí em Cubatão? Há projeto para ter uma loja física e fazer entregas? Pretende trabalhar com plataformas de entrega, como Uber Eats e Rappi?
Amaral – Desde que criei a Sagrado, nunca quis dominar o mundo. Mas aí começaram a surgir concorrentes. Fui o primeiro a fazer brigadeiro artesanal em Cubatão e um dos primeiros na Baixada Santista. Lógico que a concorrência me gerou desconforto no início, principalmente quando eu via imagens dos meus produtos e meus textos sendo copiados por doceiros que não faziam nem uso da mesma matéria prima. Já precisei ligar para uma moça e solicitar que ela retirasse as minhas imagens do Facebook, pois ela estava vendendo minhas imagens, mas oferecendo coisa duvidosa, sabe? Já tentei um delivery, mas motoboy aqui quer começar ganhando muito dinheiro, além do cliente questionar o valor da taxa de entrega. Desisti na primeira semana quando fiz as contas e descobri que estava praticamente pagando para trabalhar, mas estou decidido a voltar com esse serviço após a passagem da Páscoa. Só as vendas na loja Villa Monarca, que é uma loja de itens para casa, representam hoje cerca de 60% do faturamento mensal da Sagrado Brigadeiro, mas ainda assim muitos clientes solicitam pronta entrega em outros dias da semana e serviço de entrega já que essa parceria com a Villa acontece apenas às sextas-feiras. Estou estudando todas as possibilidades, já que esses serviços de Uber Eats e Rappi ainda não funcionam aqui, só em Santos, a cidade vizinha. E é claro que eu sonho com uma loja física, mas não acho que seja a hora ainda, além do mais estou colocando em ordem primeiro a minha vida financeira.

QUE GOSTOSO! – A Sagrado Brigadeiro também produz outros produtos além do carro-chefe. Quais são? Por que decidiu fabricar estes itens também? No total, sua empresa fabrica quantos itens?
Amaral – Assim como todas as brigaderias do Brasil, entendi que viver única e exclusivamente do brigadeiro de colher, que é o carro-chefe, não seria fácil. Comecei fazendo bolos de cenoura em porção individual, depois em tamanho médio, numa forma de 15 cm de diâmetro, com muita cobertura. Quer combinação mais perfeita que bolo de cenoura com brigadeiro? Num outro momento senti necessidade de expandir a linha e passei a fazer também bolo de chocolate e outras coberturas como brigadeiro de Ninho, Bicho de Pé, Nutella. Agora os doces mais vendidos são os bolos no pote e as palhas italianas, que me inspiraram a criar um ovo de Páscoa especial. Como a produção é sazonal, nunca precisei ao certo quantos itens existem e/ou já foram criados ao longo dessa doce história.
QUE GOSTOSO! – A decisão por novidades vem exclusivamente de você ou você ouve conselheiros estratégicos e seus clientes? Em relação a produtos, vem novidades pela frente?
Amaral – Há itens que nascem e morrem, outros que não vingam, outros que fazem muito sucesso e depois caem no esquecimento, mas ressurgem de tempos em tempos, como é o caso do bombom de morango de colher. Eu passo a noite inteira vendo vídeos, xeretando Instagram de doces e lendo muitas receitas. Todas as minhas são adaptadas. Não sigo nenhuma receita à regra ou eu estaria apenas copiando os outros. Meu bolo de cenoura, por exemplo, leva uma colher de mel e uma pitadinha de noz moscada, que acentua o sabor da cenoura e deixa o brigadeiro menos comum ao paladar. Claro que costumo ouvir os clientes, mas sigo meu feeling e, graças a Deus, raramente falho. Adoraria ter uma linha com uma pegada menos clichê, tipo um bolo de laranja com especiarias e geleia de damasco, mas não vende, não em Cubatão. Então eu foco no que vende e sigo agradando ao cliente, mas não passo por cima do meu gosto pessoal, mesmo que eu deteste Ninho, para fazer algo em que não acredite. Outro dia vi num post de Instagram, um famoso chef pâtissier metendo o pau no leite Ninho e seus seguidores o aplaudindo pelos comentários, dizendo que Ninho é coisa para paladar de gente sem paladar. Embora eu não goste, achei desrespeitoso. Voltemos à questão do Jamie Oliver, que foi infeliz na crítica aos doces brasileiros, uma vez que nós não mandamos nas papilas gustativas de nosso vizinho. Para o futuro, tenho pensado muito em uma linha sem lactose. Recebo muitos pedidos para doces dietéticos e sem lactose, mas sinceramente não acredito numa matéria-prima de qualidade que não mude o sabor de um brigadeiro. Tudo o que testei, não curti. Aguardemos as cenas do próximo capítulo.

QUE GOSTOSO! – Você busca encontrar investidores para concretizar alguns planos, como ter pronta entrega e uma loja física?
Amaral – Desde que comecei a chamar muita atenção na cidade, surgiram oportunistas. Digo oportunistas porque essas pessoas acham que R$ 5 mil, R$ 10 mil, R$ 30 mil é investimento. Todos com quem conversei queriam ganhar dinheiro rápido e investir pouco. Até tentei uma sociedade, mas devolvi o dinheiro da minha parte assim que me dei conta de que estava me tornando empregado do sócio. Além do mais, se surgir um investidor, não passo mais do que 30% ou 40% da minha história para ninguém. Eu criei todo o conceito, todas as receitas, o nome, as redes, eu que lido com clientes. Rezo para que chegue logo o dia em que eu tenha um investidor milionário que tope meu plano de negócios, que se estende para todo o Estado de São Paulo inicialmente, e queira crescer. Sou péssimo com números, então preciso de alguém que gerencie essa parte, não alguém que vá se meter na minha receita e me mandar usar menos chocolate. Enquanto esse “investidor anjo” não aparece, prefiro continuar crescendo aos poucos e sonhando com uma linda loja em tons de pérola e marrom chocolate, com linhas para todos os públicos, com louças lindas com a logomarca da Sagrado Brigadeiro impressas e itens para consumo imediato e um serviço de entrega com carro e motorista próprios.

QUE GOSTOSO! – Está nos seus planos ainda estabelecer parcerias com cafés e restaurantes para que estes coloquem seus produtos nos cardápios ou que estes revendam seus doces?
Amaral – Sim, claro. Mas isso não funciona em Cubatão, já que ninguém aqui quer ganhar menos do que 20% ou 30% de lucro. No entanto, penso em criar um item para venda exclusiva em cafés e restaurantes com a assinatura da Sagrado. Espero que esse ano eu consiga colocar em ordem minha vida financeira para, enfim, investir pesado na empresa. Sei que é um erro matemático isso, mas enquanto não tenho outra renda ou um sócio investidor nessa área, não consigo não misturar minha vida pessoal à da Sagrado.
QUE GOSTOSO! – No seu ramo, entre profissionais estabelecidos, você tem admiração pelo confeiteiro Stefan Behar. Por quê? Há outras pessoas que você admira? Se sim, por quê?
Amaral – A primeira pessoa que admirei e continuo admirando na área foi a Pati Piva, mas o Stefan surgiu do mercado de luxo, veio com uma proposta diferente e muito romantizada na apresentação de seus doces. Detesto a palavra Doces Finos, acho de uma deselegância sem fim. Mas o Stefan rejuvenesceu a estética dos doces para festa e, certamente, incomodou muita gente no mercado. Como ele nasceu numa família rica, foi estudar na França, voltou com uma ideia maravilhosa na cabeça e sacudiu a sociedade paulistana com seus potiches de porcelana, caixas impecáveis e sua já clássica estampa toile de jouy. Me vi nele, já que eu sempre pensei em brigadeiro servido em bombonières e embalagens mais luxuosas. A diferença é que ele vende para um público AAA e tem loja no Shopping Iguatemi. Claro que isso não quer dizer que eu desmereça meu cliente, muito pelo contrário, sou grato a cada um deles, mas de fato eu gostaria muito de ter uma linha luxuosa e clientes que não questionassem tanto o valor de uma louça. Quem sabe isso aconteça no futuro… Além do Stefan, nosso País tem grandes confeiteiros, além de chefs que mais são estrelas do Instagram do que da vida real. De gente que trabalha e coloca a mão na massa, amo o trabalho do Nelson Pantano, da The King Cake. Ele é um artista de verdade e transforma açúcar em qualquer coisa. Continuo seguindo e admirando a Maria Brigadeiro, que sempre será a minha primeira fonte de inspiração. Mas há tantos artistas nesse mercado que citar alguns nomes seria uma falha, ainda que meus favoritos sejam a Brigadeiros by Cousin´s, Lana Bandeira, Isabella Suplicy, Nininha Sigrist, Conceição Bem Casados e Danielle Andrade. Da Baixada Santista, destaco sempre a minha conterrânea Doce Oceano e as “vizinhas de Santos” da Brigaderia Conrado, com quem eu tenho muita afinidade, além da Madalena Brigadeiros e a La Brigoderia. Elas todas merecem infinitas palmas!

QUE GOSTOSO! – Quais são as tendências que você aponta na área de doces em geral e, sobretudo, no segmento de brigadeiros? Por quê?
Amaral – Acredito que o brigadeiro enrolado, aquele clássico, sempre será tendência, embora eu seja guloso e prefira os de colher. Mas acredito que há muitos chefs, como o próprio Diego Lozano, que buscam imprimir uma identidade brasileira aos doces, fazendo uso de sementes e sabores que só existem aqui. Infelizmente esses doces são considerados muito elitistas, já que não caem no gosto popular. Acho uma pena que brasileiros prefiram um crème brûlée à uma geleia de cupuaçu, mas aos poucos vamos conquistando espaço. Recentemente a Callebaut lançou o chocolate Ruby, extraído de um cacau mais rosado, mais frutado. Para meu paladar é muito doce, mas tem tudo para se tornar o novo chocolate queridinho do Brasil. Oremos!
QUE GOSTOSO! – Por fim, como você define a Sagrado Brigadeiro e o seu brigadeiro?
Amaral – Criei um lema para a Sagrado Brigadeiro que vou querer estampado em todas as futuras lojas, quando elas enfim deixarem de ser sonho para se tornarem realidade: Pecado é não ser feliz! Acredito muito no meu produto e no potencial que tenho de crescer cada vez mais. Deixou de ser uma brincadeira para se tornar coisa séria, no entanto, falta eu me adequar à algumas questões burocráticas e financeiras. Então defino a Sagrado Brigadeiro como um sonho se tornando realidade. Uma herança de infância que virou objetivo de vida. Quando pediram autorização para colocar um pirulito nas mãos de meu pai em seu leito de morte, eu entendi isso. Ele distribuia pirulitos todos os dias para as crianças que saíam da escola e passavam em frente ao seu bar. Será sempre lembrado como o vovô que adoçou a vida de muita gente. Eu quero ser lembrado como o cara que seguiu esses passos…