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Casa de inquisidor vira museu judaico em Béjar

por CLAUDIO SCHAPOCHNIK_Béjar/ESPANHA*

A chegada – e também a saída, no sentido inverso – à pequena Béjar, situada na Comunidade Autônoma de Castilla y León e com uma população menor de 15 mil habitantes, é interessante.

O micro-ônibus saiu da estrada principal e pegou uma outra, vicinal e também asfaltada, e desceu num zigue-zague. Não sei calcular o desnível, mas é grande. Lá embaixo, o veículo atravessou uma ponte curtinha sobre um pequeno rio e depois subiu. Nesse caminho deu para ver edifícios da outrora dinâmica indústria têxtil local.

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No alto, fachada do Museu Judaico David Melul, em Béjar, e, acima, trecho da muralha da cidade com a verdejante Serra de Béjar ao fundo (fotos Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)
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Edifícios da indústria têxtil de Béjar, que teve início no século 13 com o período áureo no século 20; atualmente ainda funcionam seis fábricas na cidade

Logo após o micro chegou à área urbana de Béjar, que séculos atrás era toda murada – hoje há alguns trechos preservados. O município fica a pouco mais de 900 metros de altitude e ao lado da serra de mesmo nome.

Casa de inquisidor vira museu judaico em Béjar Imagem Wikipédia 1
Brasão de armas do município espanhol
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Localização de Béjar (em vermelho) no mapa da Espanha (Google Maps)

O veículo parou a alguns passos do Museu Judaico David Melul. É o melhor ponto de partida, sem dúvida, para conhecer a incrível história judaica dessa pacata cidade espanhola.

O museu existe graças ao engenheiro têxtil David Melul Benaroch (1928-2007). Espanhol de fé judaica, Benaroch nasceu em Melilla (12,3 km²) que, assim como Ceuta (18,5 km²), fica na costa mediterrânea do Marrocos. Ambos são territórios espanhóis, resquícios do antigo, poderoso e extenso império colonial.

Anos depois, ele foi estudar em Béjar e fixou residência em Barcelona. Na capital catalã, exerceu, de forma honorária, as funções de cônsul de Israel e presidente da Comunidade Israelita. Por outro lado, sempre manteve laços com a pequena cidade.

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O criador e mecenas do Museu Judaico de Béjar, David Melul Benaroch, em quadro pintado em 2014 por Oscar Rivadeneyra, exposto na instituição
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Localização de Melilla (em vermelho) na costa do Marrocos (Google Maps)

Dentro do âmbito “de paz e tolerância”, como está escrito na apresentação de Benaroch no museu, o engenheiro têxtil doou a quantia necessária para a prefeitura local comprar o imóvel de três andares antigo. Objetivo: instalar o Museu Judaico, inaugurado em 2004. Depois da morte do criador e mecenas, seu nome foi agregado à instituição como (justíssima) homenagem.

O museu começou a funcionar definitivamente em 2006. A gerente Carmen Rubio me contou que foi ameaçada de morte pelas redes sociais. Ela fez a denúncia, e a polícia investigou e chegou a um homem em Madri, responsável pelos ataques antissemitas – ainda que não seja judia. O criminoso foi punido.

O museu conta sobre a presença dos primeiros judeus em Béjar e arredores até, após a expulsão de 1492, em outras regiões do mundo. Tudo com mapas, textos, objetos, maquetes, fotos etc.

Lá fiquei sabendo um fato interessante: há algumas versões do nome da cidade, portanto originárias de Béjar, utilizada como sobrenome de talvez milhares de pessoas mundo fora, sejam judeus ou descendentes de convertidos ao cristianismo. Bejarano, Behar e Beharano são alguns exemplos. Na mesma hora recordei de Renée Behar, dona de um dos antiquários mais conhecidos de São Paulo.

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Maquete exposta no Museu Judaico: Béjar medieval e totalmente murada

A primeira data documentada da presença judaica vem do período 1150-1200. No centro da cidade, os judeus viviam em diversas partes. Algumas casas mantêm no batente de pedra o sulco onde deveria estar fixada a mezuzá – palavra que significa umbral, em hebraico; é uma “caixinha” que contém trecho do Deuteronômio, uma das obras do livro sagrado do judaísmo, a Torá. Uma das funções é proteger a residência israelita.

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Casas geminadas próximas ao museu
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Trilha que acompanha “paredão” com casas antigas da cidade

Depois da aula magna no museu, o negócio foi curtir a pacata cidade caminhando pelas ruas onde os judeus viviam e pelos trechos da muralha. Vale demais a pena. Em uma tarde dá para fazer tudo isso e ainda sobrou tempo para uma revigorante happy hour na Plaza Mayor. Lá está a Casa Pavon Bar Restaurante, onde eu, e os demais integrantes do grupo do qual fazia parte, tomamos cervejas e drinques acompanhados de deliciosas azeitonas.

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Os itens da happy hour: que gostooooooso!

Detalhe: a casa do Museu Judaico David Melul, segundo me disse a gerente Carmen Rubio, teve, entre outros proprietários, um inquisidor. Ou seja, um integrante da poderosa Santa Inquisição espanhola – atuante entre os séculos 15 e 19 que perseguia e punia os praticantes de heresias na visão da instituição católica; muitos judeus e, sobretudo, conversos (que se converteram ao cristianismo mas praticavam o judaísmo às escondidas, em espanhol), mas não só eles, foram duramente punidos com humilhação, prisão, confisco de bens, tortura e morte.

É… A vingança é um prato que se come frio. Am Yisrael Chai – o povo de Israel vive, em hebraico.

SERVIÇO:
Turismo da Espanha
Red de Juderías de España
Museu Judaico David Melul

*O QUE GOSTOSO! viajou a convite do Turismo da Espanha e da Red de Juderías de España

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