por Lucia Grimaldi*
Olá, caros internautas! É isto mesmo que vocês acabaram de ler: vinho laranja. Mas, atenção: não é vinho “de” laranja, como alguns podem pensar, já que encontramos na internet receitas de vinhos feitos de abacaxi, de pêssego, de nectarina, de maracujá e também de laranja.
Bem, então vamos do início!
O vinho é uma bebida obtida a partir da fermentação do suco de frutas. Tradicionalmente, quando pensamos em vinho, pensamos logo na fermentação de uvas. E é assim que trataremos aqui, afinal nunca fiz nem provei “vinho” de outras frutas, que não a preferida de Baco.
Como vocês sabem, os vinhos podem ser brancos, rosés ou tintos. O que os faz diferentes? Simplificando, são principalmente dois fatores: as uvas utilizadas e a forma como o suco é fermentado.

Para fazer vinhos tintos, é preciso deixar o suco da uva, que no mundo do vinho é chamado de mosto, em contato com as cascas das uvas tintas. Este contato, antes e durante a fermentação, vai conferir ao vinho cor e taninos, entre outras características. Os taninos são substâncias presentes na casca da uva e também nas sementes que conferem ao vinho aquela sensação de “banana verde”, uma certa adstringência, traduzida muitas vezes como algo “amarrando” a boca, mas que, com boas técnicas de vinificação, serão importantes na estrutura e complexidade, traduzindo riqueza ao vinho. Mas este é um assunto para outra matéria!
Grosso modo, quanto mais tempo o mosto (agora vocês já sabem o que significa) ficar em contato com as cascas das uvas tintas, mais intensa e profunda será a cor do vinho. Em geral, este período vai de cinco dias até mais de duas semanas!

Mas, se este contato do mosto com as cascas das uvas tintas for bastante breve, de cerca de 12 a 36 horas, teremos o vinho rosé, aquele cuja cor varia entre rosa e salmão, até mesmo alaranjado como a casca de cebola.

Por outro lado, para fazer um vinho branco, o contato do mosto com as cascas das uvas é mínimo, chegando a ser praticamente inexistente em alguns casos. Alguns produtores optam por deixar o mosto das uvas brancas com as cascas por algumas poucas horas, apenas para aumentar os sabores e a textura do vinho branco.

A partir daí, podemos perceber que os vinhos tintos só podem ser feitos a partir de uvas tintas, como a cabernet sauvignon e a malbec, por exemplo, já que a cor destas espécies vem das cascas das uvas. Já os vinhos brancos podem ser feitos a partir de uvas brancas, como a chardonnay e a sauvignon blanc, e também de uvas tintas, desde que o mosto não tenha contato com as cascas.
Quer um exemplo muito conhecido de vinho branco feito de uvas tintas: o espumante champagne, feito com uvas pinot noir.

Aquarela do vinho explicada, mas… e o vinho laranja? Como é isso?
Os vinhos laranja são assim chamados pela cor alaranjada, embora muitos produtores prefiram usar o termo vinho âmbar, até para evitar as confusões com os “vinhos” feitos de laranja dos quais falei no início desta nossa conversa.

Apesar de parecer novidade, os vinhos laranjas são feitos com uma técnica de vinificação muito antiga, de mais de 5 mil anos. Basicamente são vinhos produzidos com uvas brancas vinificadas como se fossem tintas, ou seja, o mosto fica em contato com as cascas por muuuuuuito tempo, superando bastante o tempo de contato do mosto com as cascas das uvas na produção dos vinhos tintos. Ou seja: o vinho laranja é um vinho branco vinificado como tinto!
É comum a fermentação do vinho laranja acontecer em ânforas de barro com a mínima interferência humana possível, seguindo as tendências atualíssimas da produção de vinhos naturais, sem adição de conservantes, como o sulfito.

O mais interessante do vinho laranja é que a bebida tem características tanto dos tintos quanto dos brancos. Numa degustação às cegas, dificilmente seria classificado corretamente. Pode ter o frescor e as notas frutadas do vinho branco, ao mesmo tempo que apresenta uma textura e a presença de taninos, comuns ao vinho tinto. É heterogêneo, surpreendente, com possibilidades de aromas e sabores riquíssimas e inesperadas. Podem ser encontrados aromas de frutas cítricas, cascas de frutas, flores, ervas, mel e especiarias, entre muitos outros. Na boca, pode repetir o nariz, além de apresentar sabores de frutas em compota até algumas notas defumadas, geralmente com alguma untutosidade, um bom corpo e final longo. Deixando um pouco mais claro, untuosidade significa que há uma nota amanteigada no vinho. E final longo, que mesmo após bebê-lo, os sabores e as impressões permanecem um tempo maior na boca.
Atualmente há uma variedade de vinhos laranja no mercado, com destaque para os vinhos produzidos na República da Geórgia e na região Nordeste da Itália, fronteiriça com a Eslovênia, conhecida como Friuli-Venezia-Giulia.
DEGUSTAÇÕES
Tive a oportunidade de provar um vinho laranja italiano e dois vinhos laranja brasileiros.

Ziradich Vitovska
Produzido na região de Friuli-Venezia-Giulia, com as uvas brancas vitovska, apresentou aromas de frutas cítricas, mel e tosta. Na boca foram tantos sabores combinados que foi difícil descrever, além de taninos presentes, pouca untuosidade, com acidez marcante e final longo.


Era dos Ventos Peverella
Produzido em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, com as uvas brancas peverella, de uma safra especialmente boa (2014), foi realmente surpreendente! No nariz, aromas de frutas vermelhas frescas, como framboesa e cereja, toques florais de violeta e folhas molhadas. Na boca, os sabores repetiram os aromas, com notas de melaço, acidez equilibrada, corpo médio e final longo. E ainda nos brindou com uma poesia no contrarrótulo.

Bacio
Produzido em São Joaquim, na Serra Catarinense, com as uvas brancas gerwürztraminer, é refrescante, mas rico em aromas e estrutura. No nariz, aromas de damasco, lichia, pêssego e mel. Na boca, os sabores repetiram os aromas, equilibrando acidez e untuosidade, com um leve toque tânico.
Os vinhos laranja brasileiros que provei foram comprados à Sônia Denicol, que tem um portfólio bem interessante e um atendimento excelente. O vinho laranja italiano provei na casa de uma amiga em São Paulo, mas encontra-se a venda na Decanter.
O vinho laranja é uma experiência única, marcante e inesquecível! Mesmo para os mais conservadores.
Bem, caros leitores amantes do vinho, nosso papo laranja vai ficando por aqui. Se você ficou com alguma dúvida ou tem alguma sugestão, entre em contato! Será um prazer imenso conversar com você. E não se assuste com um ou outro termo mais técnico: de uva em uva, faremos juntos um grande vinho!
Um brinde!
*Lucia Grimaldi, colunista do Que Gostoso!, é graduada e pós-graduada em fonoaudiologia e direito e possui a certificação internacional Wine & Spirit Education Trust (WSET) nível 2. Contatos: grimaldipervino@gmail.com e o instagram @grimaldipervino
Amei Lúcia! Meu Deus, não sabia que existiam vinhos laranja!! Fiquei muito curiosa em provar um destes. Grata pela aula sobre vinhos e sua produção.
São vinhos maravilhosos e intrigantes! E eu é quem lhe agradeço pela atenção!!! Saúde!!!
Amei Lucinha!
Uma delícia! Bastante didático e esclarecedor! Não sabia muito sobre os vinhos laranja! Para mim, o grande lance é esse, tratar desse extenso e rico universo, de forma acessível, desmitificando o tema, mas sem perder a magnitude q lhe é própria! Parabéns!
Pois é este o intuito da coluna, querida Sheyla: aproximar o vinho das pessoas, sem que perca a sua magia. saúde!
Adorei a reportagem. Parabens!!!
Obrigada! Que bom que gostou, Alcione! Saúde!