por CLAUDIO SCHAPOCHNIK_Cáceres/ESPANHA*
Localizada na Comunidade Autônoma de Extremadura e a 1h30 de carro da fronteira com Portugal, Cáceres teve, séculos atrás, comunidade judaica organizada. Hoje, segundo me contou uma fonte, só há uma pessoa judia na aprazível cidade espanhola de cerca de 100 mil habitantes – isto é que é ser minoria!
Comunidade judaica organizada significa que os membros mantenham, entre outras instituições comunitárias, sinagogas. Na minha estada no município, integrante de um grupo com interesse na Espanha judaica pré-1492, conheci a sinagoga da Judería Velha e da Judería Nova – judería, bairro judeu em português. A primeira fica atrás da muralha, e a segunda, perto da Plaza Mayor – a principal de toda cidade espanhola.


Conhecer o local da antiga sinagoga da Judería Nova foi o ponto de partida da interessante Cáceres judaica. Vale lembrar que os fundadores foram os romanos no século 1° A.C., que a batizaram como Norba Caesarina. Séculos depois, durante a dominação islâmica, era a Hizn Qazris.
No primeiro censo cacereño (gentílico espanhol de Cáceres), em 1290, os judeus estavam presentes com cerca de 130 casais, que tinham casa, pagavam impostos e, possivelmente, tinham seus familiares. Por outro lado, ruínas do que seria uma míkvê – “piscina” usada para imersões rituais com água natural, que pode ser da chuva, por exemplo – data de cerca de 1100.

ARQUIVO E BIBLIOTECA PÚBLICOS
A duas quadras da Plaza Mayor está o Palacio de la Isla. De arquitetura renascentista e erguida no século 16, a propriedade foi da família nobre Blázquez-Mogollón, marqueses de La Isla. Como imóvel da prefeitura reúne a sede da Conselho de Cultura, o arquivo e a biblioteca municipais e sedia exposições.
O palácio foi construído onde ficava a sinagoga da Judería Nova – fora da parte muralhada da cidade –, portanto território do antigo bairro judaico novo. Ao redor do então templo viviam comerciantes judeus. No Salão de Atos, no térreo, onde são realizadas cerimônias de casamento civil, era onde ficava o Aron HaKodesh. Este é o nome do lugar onde ficam exemplares da Torá, o livro sagrado do judaísmo, escritos em rolos de pergaminho de cordeiro; um armário todo paramentado.


Por alguns minutos, sentado numa cadeira no salão, imaginei o local com o rabino e sua congregação rezando.
Com a expulsão do Reino da Espanha em 1942, os judeus que deixaram a cidade seguiram para o vizinho Reino de Portugal – os que ficaram foram forçosamente convertidos ao cristianismo. Em terras lusitanas, eles tiveram “sossego” por apenas quatro anos. Em dezembro de 1496, o rei Dom Manuel 1° assinou o decreto de expulsão dos israelitas de lá, com a mesma condição: caso permanecessem, ocorreria a conversão obrigatória.


Nas fotos acima: à esquerda, o diretor do escritório do Turismo da Espanha no Brasil, Oscar Almendros, o historiador e responsável pelo Arquivo Histórico Municipal de Cáceres, Fernando Jiménez Berrocal (muito simpático e atencioso com o grupo), que exibe documento do censo cacereño original com a relação de habitantes judeus na então Calle de la Judería, e a gerente geral da Red de Juderías de España, gerente geral da Red de Juderías de España, Marta Puig Quixal; e à direita, página do referido censo (fotos Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)
JUDERÍA VELHA
O antigo bairro judaico velho, posteriormente chamado de San Antonio de la Quebrada, fica dentro da área murada. Até chegar lá, passei por lugares bastante interessantes da história de Cáceres.
O primeiro ponto é a imponente Torre de Bujaco, de 25 metros de altura. A edificação foi construída pelos muçulmanos almóadas no século 12 em cima de ruínas romanas. Bujaco deriva do nome do califa Abu-Ya´qub, líder da reconquista de cidade em 1173.
Com acesso pago, a torre abriga um centro de interpretação da história desde os romanos à Idade Média e um mirante que dá vista de 360 graus. Imperdível. No nível da calçada, junto à torre, há ainda ruínas da época romana.



Para entrar de fato na área murada, passei pelo Arco da Estrela – antigo portão principal de entrada/saída, que uniu a Plaza Mayor (cidade nova) à Praça de Santa María (cidade velha) por séculos. De estilo barroco (século 18), é adornado com a imagem da Virgem da Estrela.
Incrível como depois o cenário muda radicalmente. O que vi foram vários edifícios grandiosos e antigos, como palácios, residências e igrejas – todos bem conservados, com ruas e praças impecavelmente limpas. Naturalmente, o turista viaja ao passado. Por todos estes fatores, o centro histórico foi locação de séries e filmes, como Game of Thrones.




Depois de uma caminhada gostosa com minha cabeça quase sempre mirada para o alto, com o objetivo de acompanhar a altura das edificações e observar os detalhes decorativos nas fachadas, cheguei ao antigo bairro judaico velho. A permanência hebraica foi até 1478, quando a comunidade teve de se mudar para fora da muralha. Posteriormente o local foi chamado de San Antonio de la Quebrada.


Lá está a icônica Ermita de San Antonio, edificada em cima da sinagoga velha. O terreno do templo, que parecia ser bem amplo, foi comprado pela nobre família Golfín ainda antes da expulsão de 1492, e Alonso Golfín ordenou a construção da capela. Só pude ver a fachada, pois o santuário estava fechado. Pena.

No entorno da capela, as ruas do antigo bairro judaico reúnem residências reformadas e modernizadas daquela época. Nos batentes de pedra de algumas casas dá para ver o sulco onde outrora estava fixada a mezuzá – palavra que significa umbral, em hebraico; trata-se de uma “caixinha” que contém trecho do Deuteronômio, o quinto e último livro da Torá. Uma das funções é proteger a residência israelita.
Próximo da capela fica o Olivar da la Judería, um jardim público com oliveiras e outras árvores. A área unificada pertencia a várias casas de integrantes da comunidade judaica.

(foto Ayuntamiento de Cáceres)

(foto Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)
SUPER MUSEU E ILUMINAÇÃO ARTÍSTICA
Depois de curtir do interessantíssimo roteiro judaico em Cáceres, fiz dois outros passeios sensacionais e, diria mais, imperdíveis: visitar o Museu de Arte Contemporânea Helga de Alvear – um equipamento cultural e uma coleção superior de 3 mil obras que enchem de orgulho os cacereños e espanhóis como um todo, adorei demais –; e caminhar vagarosamente à noite pela Plaza Mayor e pelo Centro Histórico, com a iluminação artística de vários prédios que faz TODA a diferença.





Cáceres é demais!
SERVIÇO:
Turismo da Espanha
Red de Juderías de España
Turismo de Cáceres
Museu de Arte Contemporânea Helga de Alvear
*O QUE GOSTOSO! viajou a convite do Turismo da Espanha e da Red de Juderías de España