por CLAUDIO SCHAPOCHNIK*
Cozinheira libanesa que começou as artes culinárias na cozinha de casa aos nove anos de idade para ajudar a mãe, que teve ela (a mais velha) e mais 11 filhos e filhas, na vila de Mazraat Al Toufah — Vila da Maçã na tradução do árabe e distante cerca de 120 quilômetros ao Norte da capital, Beirute —, Salma Hage teve uma trajetória brilhante na gastronomia no Reino Unido. Ela deveria ser alçada ao posto de Embaixadora da Gastronomia do Líbano ou outro título semelhante. Entre outras justificativas para tal menção está o seu livro Culinária Libanesa, um verdadeiro compêndio da arte de preparar comidas e bebidas tradicionais de seu país natal. Com mais de 500 receitas, Salma compartilha o conhecimento de uma cozinha pra lá de saborosa, aromática, nutritiva e linda de se ver. Tudo em português numa edição primorosa da editora brasileira Ernest Books sob licença da icônica casa editorial britânica Phaidon.

A obra da Salma Hage é um presentão para os que gostam de cozinhar entre — mas não somente — os estimados 7 milhões de descendentes de libaneses que vivem no Brasil. Nosso país reúne a maior diáspora libanesa do mundo, que chegou aqui em diversos momentos.
Na época do Império Otomano, dissolvido depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os libaneses chegavam aqui com passaporte turco. Por isso que os brasileiros os chamavam de “turcos” — assim como os sírios. Depois outras grandes levas de imigrantes libaneses chegaram também ao nosso País na época do Protetorato Francês, de 1923 até a independência, em 1943, e no período da Guerra Civil (1975-1990).

Salma também é uma imigrante. Ela deixou o seu Líbano natal com o marido, Heni. Eles seguiram para o Reino Unido em 1967 onde, anos depois, nasceria o filho do casal, Joe. Para lá ela levou a herança culinária que aprendeu com a mãe, a avó e as cinco cunhadas, “todas cozinheiras maravilhosas”, frisou ela no seu livro.
O primeiro prato de Salma, que recebeu os elogios do pai, um padre católico maronita e marceneiro, foi a mujadra — lentilha, arroz e cebola caramelizada (receita na página 330 do livro).
Em Londres Salma aprendeu e praticou a cozinha britânica e internacional e jamais deixou de lado a gastronomia libanesa. Claro, pois estava no seu DNA e na sua cultura. Férias de dois meses por ano, em vários períodos, ajudaram nessa consolidação.
Ela iniciou uma carreira de sucesso na culinária em Londres. Primeiro, começou como ajudante de cozinha e chegou até o cargo de chef numa empresa de catering. Depois se graduou em gastronomia em uma faculdade.
ONZE CAPÍTULOS
Em Culinária Libanesa, Salma partilha suas receitas em 11 capítulos: Receitas Básicas, Mezzes e Saladas, Sopas, Peixes, Carnes, Verduras e Legumes, Pães e Salgados, Sobremesas; Bebidas e Picles e Geleias. Logo após vem as receitas de sete chefs convidados pela autora.
Nesses capítulos estão entremeados aqueles ensinamentos que ela recebeu dos familiares e muito do que vem da despensa libanesa: os jardins da sua Mazraat Al Toufah.

Receitas feitas com grãos (lentilha, arroz, grão-de-bico, trigo integral), sementes (noz, pinole, amêndoa, gergelim, anis), ervas e folhas de parreira, frutas (uva, figo, maçã, tâmara e laranja), água de flor de laranjeira e de rosas (muito usadas na confeitaria), carnes (cordeiro em quase tudo, mas também frango); peixes e frutos do mar e legumes (nabo, couve-flor, cenoura etc).
Bom que tudo pode ser encontrado no Brasil, em feiras e mercados ou lojas de produtos importados libaneses. O que não há ou é difícil de encontrar, a tradução brasileira recomenda substituições.
SURPRESAS
Se numa folheada no livro, as fotos e os nomes dos pratos atiçam nossa vontade de comer, o passar das páginas com atenção no mesmo revela o desejo de fazer as receitas naquele momento.
Até então jamais tinha visto receitas tão diferentes e que devem ser muito, muito deliciosas. Vale lembrar que as pessoas aqui no Brasil, de um modo geral, generalizam as culinárias dos países árabes como comida árabe. Mas há a culinária do Líbano, da Síria, do Egito, do Marrocos etc. O alfabeto e o idioma árabes também são os mesmos nestes e noutros países; o que varia é o vocabulário e as pronúncias.

Nas “Receitas Básicas”, como o nome denota, há uma relação de temperos, molhos (de alho e alecrim, de alho e hortelã) e caldos etc, que serão utilizados em diversos outros pratos. Entre estes o delicioso zaatar.
Logo após vem o capítulo “Mezzes e Saladas”. Ah, é simplesmente uma delícia. Mezze é aperitivo, é a pequena porção para abrir o apetite na farta mesa libanesa. Mas não é pra parar por aí, pois na sequência quase sempre vem ainda muita comida.
Pode ser o labneh (coalhada seca), o babaganoush (pasta de berinjela defumada), o tabule (salada com trigo), o homus (pasta de grão-de-bico) e outras delícias. Sempre pra comer com o pão pita ou folha.

Há ainda, por exemplo, sugestões não comuns por aqui: homus com cordeiro e pinole e com favas; cuscuz com salada de grão-de-bico; alcachofra e favas com molho de limão siciliano; melancia com labneh e hortelã (salivei); salada de toranja e cebola; receitas variadas de falafel; berinjelas empanadas com farelo de pão e zaatar e muitas outras.
Em relação às “Sopas” há duas sugestões que devem ser uma explosão de sabores: de tomate picante com aletria e de alho, amêndoas e romã.
Sobre “Peixes”, que bom, praticamente todos são encontrados nas peixarias por aqui: sardinha, salmão, haddock, linguado, robalo, atum e manjuba. Os libaneses também comem frutos do mar, e Salma tem as receitas no livro, como vieira, lula, caranguejo, polvo e camarão.
No capítulo “Carnes”, a proteína predominante é a do cordeiro. Preparado de muitas formas, inclusive numa de lasanha. Mas há também opções com frango, peru, codorna, pombo e de rã.
Salma não incluiu uma receita se quer com carne de porco. A proteína suína é proibida pelo livro sagrado do islamismo, o Corão, a religião predominante no Líbano.

Em “Verduras e Legumes”, e também em outros capítulos, me surpreendi com a inclusão de batatas e batatas doces na dieta libanesa.
Em “Pães e Salgados”, você aprende a fazer pita e outros pães, salgados assados e muito mais. Entre as “Sobremesas” há pratos que parecem ser fantásticos como bolo de tâmara, de frutas secas com mel e de pistache e iogurte; bolachinhas, folheados, sorvetes (de pistache e água de rosas!) e sorbets.
Lá como cá, a refeição termina com qaweh, café em árabe. Muito bom o aromatizado com cardamomo. E ainda há outra bebidas como chá e limonada.
Para encerrar, vem o capítulo “Picles e Geleias”, com mais gostosuras como compotas e conservas.

Depois de ler Culinária do Líbano você vai se surpreender, como eu me surpreendi, com a riqueza da gastronomia daquele país e constatar que vai bem além (mas nada contra, hein!) das esfihas, do tabule, da coalhada seca que tão bem conhecemos e apreciamos aqui no Brasil. Um livro crucial para estar presente na sua cozinha.
*O QUE GOSTOSO! recebeu um exemplar de Culinária Libanesa da Ernest Books
FICHA TÉCNICA:
Culinária Libanesa
Autora: Salma Hage
Tradutora: Lizandra Magon de Almeida
Editora: Ernest Books
Preço: R$ 249
Páginas: 512
ISBN: 978-85-60368-02-0
Dimensões: 28 cm x 19 cm x 4,5 cm
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