Casal produz deliciosas alheiras artesanais (SP)

por Claudio Schapochnik

Ah, a alheira! A origem, mais de cinco séculos atrás, é cheia de mistérios e polêmicas. Teriam sido, de fato, os cristãos-novos portugueses – judeus que praticavam a fé israelita às escondidas – os criadores do famoso enchido lusitano para enganar, gastronomicamente falando, a diabólica Inquisição e os cruéis agentes desta instituição de que tinham abraçado o catolicismo e, por conseguinte, estavam comendo carne suína – proibida aos judeus?

Discussões à parte sobre a autoria da receita, a alheira (foto acima/Alheiras.com) é um ícone da culinária de Portugal e você pode saboreá-la aqui em São Paulo. O simpático e empreendedor casal Souza produz a iguaria de forma artesanal na residência deles, no bairro da Mooca (Zona Leste da capital paulista). Há alguns dias fui conversar e provar as alheiras e posso assegurar: são excelentes!

Elaine Lasmar de Souza, esposa de Claudio Souza, é quem teve a ideia de produzir alheiras artesanais. Ela é bisneta de portugueses – Rosa, de Lisboa, e Francisco, de Trás-os-Montes – que imigraram para São Paulo e se fixaram no bairro do Tatuapé, também na Zona Leste. Junte-se à origem lusitana dela ao gosto por cozinhar desde criança. “Minha paixão pela cozinha vem da infância e, as vezes, meu pai, Wilson Filho, deixava eu ajudá-lo na preparação de algum prato”, recorda ela.

“Eu não lembro se meus bisavós faziam alheira em casa, mas recordo que minha mãe, Daisy, comprava o embutido numa feira livre. Depois que casei com o Claudio, quando tinha vontade, comprava a alheira no Mercadão.”

O casal Elaine e Claudio exibe suas alheiras (fotos Claudio Schapochnik/Que Gostoso!)

AUTODIDATA
No entanto, o gosto do enchido não era o mesmo do comido na casa dos pais, comprado na feira. “Ficava frustrada. Um dia falei com meu irmão, Wilson Neto, se ele não queria fabricar alheira comigo e ele concordou”, lembra Elaine.

Ela começou a pesquisar sobre o embutido, ver vídeos, buscar receitas etc. “Aí aprendi e criei a minha própria receita, mantendo a presença de carne suína e de ave”, afirma Elaine, sem revelar detalhes.

Numa reunião familiar em um Itupeva, no interior de São Paulo, a alheira feita pelos dois irmãos foi servida e fez um tremendo sucesso. Aí os parentes começaram a incentivar, com frases do tipo “por que vocês não fazem para vender?”. O destino iria ajudar Elaine.

Em 2017, ela perdeu o emprego, na área administrativa de uma empresa. Foi o “empurrão” que faltava. Junto com o marido, foi fazer uma viagem à Europa. Em Portugal, alugaram um carro, passaram seis dias e visitaram, entre outros lugares, Fátima. “O foco não foi provar alheiras, ainda que comemos o prato por duas vezes”, diz Elaine.

No ano seguinte, ela começou a produzir alheiras artesanalmente de um modo mais robusto. O marido juntou-se à esposa. Administrador de empresas, Claudio também deixou o emprego e partiu para o empreendedorismo gastronômico com ela.

A alheira embalada e pronta para vender (foto Alheiras.com)

ÀS VENDAS
O casal foi à famosa rua Paula Souza, conhecida pelas lojas que vendem equipamentos para cozinhas, restaurantes, hotéis e bares. Lá Elaine e Claudio compraram um “canhão”, ou seja, um cilindro para colocar, no caso, a massa da alheira para encher as tripas. “Graças a Deus, nossa demanda começou a cresceu e não temos ´muque´ para encher as alheiras na mão”, justifica ele.

Com a decisão firme e forte de atuar na produção e venda das alheiras, o casal iniciou a comercialização do produto sob o nome Alheiras.com. O começo foi em feiras livres. “Oito em cada dez clientes não sabiam o que é alheira e de cada dez, sete compravam”, relembra Claudio. “Tinha gente que pensava que era linguiça, coisa que não tem nada a ver.”

Além das feiras, sobretudo no início de 2019, o casal passou a ganhar mais fregueses por meio das redes sociais e à propaganda boca-a-boca.

Uma destas pessoas, da qual o casal é muito grato, é o vice-presidente da Casa de Portugal, uma das instituições da comunidade portuguesa paulistana, Paulo Machado. “Graças a ele, participamos recentemente de um almoço na Casa de Portugal, onde a diretoria e os convidados puderam provar os nossos produtos e foi ótimo, foi uma grande oportunidade”, diz Elaine.

Os bolinhos de alheira recheados com queijo…
,,,comi nas versões muçarela e gorgonzola: deliciosas
Alheiras podem ser comidas fritas, assadas no forno, grelhadas ou até mesmo à temperatura ambiente

LINHA DE PRODUTOS
Inicialmente, o casal desenvolveu uma linha de três produtos: alheira tradicional, alheira com pimenta e bolinhos de alheira recheados com muçarela.

“Nossa alheira leva carnes de porco e ave”, afirma Elaine. “Ao todo o processo de fabricação leva 12 horas. Vale destacar que não usamos nenhum conservante químico. Após aberta a embalagem, a alheira dura dez dias na geladeira e três meses no congelador”, explica ela.

As alheiras tradicional e com pimenta são vendidas a R$ 12 a unidade, que pesa entre 250 gramas e 270 gramas cada. Os bolinhos de alheira são vendidos a R$ 8, em pacotes com seis unidades. “Três bares já compram os nossos bolinhos”, comemora Claudio.

Recentemente, dias atrás mesmo, Elaine e Claudio colocaram na linha comercial o quarto produto: alheira de costela bovina. Foi sugestão do sobrinho do casal, Guilherme.

Todos os quatro itens têm praticamente pronta entrega, exceto, talvez, pedidos no atacado. Claudio faz entregas na cidade de São Paulo. Via Sedex 10, com frete pago pelo cliente, dá para entregar em outros municípios.

As alheiras tradicional e com pimenta sendo fritas na casa de Elaine e Claudio

A PROVA DAS ALHEIRAS
Depois da entrevista, o casal gentilmente preparou os três produtos – a alheira de costela ainda não tinha – para eu prová-los.

Agora, ao escrever este texto, sinto uma grande vontade de comê-las novamente. Por aí dá para perceber que gostei – e muito!

Começo pelos bolinhos de alheira. Foi preparada na fritadeira Airfryier, aquela que não precisa de óleo. Havia com recheio de muçarela e gorgonzola. Ambos estavam ótimos, bem sequinhos e com o queijo super derretido. Preferi o com gorgonzola, levemente mais salgadinho. Ideais para comer acompanhado de cerveja.

Em relação à alheira de fato, uau… É maravilhosa: bonita cor, massa compacta, sal na medida certa, super bem temperada e pedaços de carne de porco e ave. A com pimenta tem as mesmas características, com obviamente ser mais carregada na picância.

Entre ambas, preferia a com pimenta, sem que isto desabone a tradicional. Jamais.

Os temperos que entram na produção da alheira com pimenta (foto Alheiras.com)

Elaine serviu as duas versões fritas na frigideira, usando pouquíssimo óleo. “A alheira é um produto pronto, portanto pode-se comê-la à temperatura ambiente”, diz ela. “O mais comum é prepará-la frita ou assada, e há ainda que a coloque na churrasqueira, que fica muito bom também”, emenda.

Em Portugal é muito comum servir alheira frita com batata frita e ovo estrelado (com a gema mole). As vezes, este prato vem ainda com arroz branco e saladinha. Em terras lusas, comi das duas formas.

Portanto, seja a forma como forem feitas, as alheiras do casal Elaine e Claudio são muito boas, deliciosas. Recomendo.

Prato de alheira que comi em restaurante em Cascais, Portugal, em janeiro de 2017

VOLTA AO SÉCULO 15, EM PORTUGAL
No início do texto, escrevi sobre a possível origem judaica da alheira e agora retorno ao tema. Vamos ao contexto.

Os judeus viviam relativamente bem em Portugal até o final do século 15, mais precisamente em dezembro de 1496. Naquela data o rei Dom Manuel 1° decretou a expulsão dos judeus (e dos mouros) – uma condição imposta pela Espanha para que ele se casasse com Isabel – filha mais velha e viúva dos reis espanhóis católicos Isabel e Fernando, que expulsaram os judeus em 1492.

“Os judeus portugueses tinham de deixar o país até outubro do ano posterior. Caso não o fizessem, seriam condenados à morte e todos os seus bens seriam confiscados pela coroa. Contudo, a decisão não recolheu consenso no Conselho de Estado, que alertou para a fuga de capitais do país. Pretendendo reter os judeus em Portugal, o rei ordenou então que aqueles que se convertessem ao cristianismo poderiam permanecer no país. E agendou um prazo para os batismo: a Páscoa de 1497”, escreve Maria José Oliveira no jornal digital luso Observador.

Os judeus que ficaram em Portugal e aceitaram o catolicismo, agora chamados de cristãos-novos, no entanto, continuaram a praticar o judaísmo secretamente. Aí que entra a questão da alheira. Pelo menos visualmente, o enchido era semelhante, se não idêntico, a outros embutidos feitos com carne de porco.

Então caso um inquisidor ou uma pessoa comum e católica visse um cristão-novo comendo uma alheira, poderia pensar “este deixou de ser judeu mesmo, come até porco”. Ledo engano. Ou não.

O lançamento do casal: alheira de costela bovina (foto Alheiras.com)

ALHEIRA LEVA PORCO, SIM!
É o que opina uma dos maiores estudiosos sobre os embutidos lusitanos, o chef, professor da Escola de Turismo e Hotelaria de Lisboa e autor do novo livro Entre Fumos e Ventos – Fumeiros e Enchidos de Portugal, Nuno Diniz.

“Alheira sem porco não é alheira, é uma coisa qualquer mal inventada. Todas as alheiras a sério têm porco”, assegura o chef Diniz em uma entrevista ao suplemento GPS, da revista portuguesa Sábado, em dezembro de 2016.

Capa do livro do chef português (imagem de internet)

“Essa piada dos judeus é uma história demasiado rocambolesca… A ser verdade partiríamos do princípio que os tipos da Inquisição seriam tão burros que não perceberiam que aquilo não tinha porco. Pode ter alguma pontinha de verdade, mas não será mais que isso. As alheiras levam aves de capoeira, mas também porco”, conta o chef na entrevista.

Seja com origem judaica ou não, seja feita com porco ou não, a alheira marca nobre presença na mesa portuguesa há séculos. É boa demais e agora está disponível também na Mooca, meu!

SERVIÇO:
Alheiras.com
Instagram, Facebook
Whats App: (11) 98240-7835
E-mail: alheiras.com@gmail.com

15 comentários sobre “Casal produz deliciosas alheiras artesanais (SP)

  1. Gosto muito de alheira.
    Gostaria de comprar a alheira que vocês fabricam, mas não sei como.
    Moro na Zona Sul de São Paulo, perto do aeroporto de Congonhas. Algum lugar perto daqui vende a sua alheira, como por exemplo o Atacadao Castelão.

    1. Olá, José! Ligue no telefone que há no final de minha matéria e você combina com a Eliane ou o Claudio como comprar as alheiras. Um abraço.

  2. Moro na Mooca e gostaria de comprar as alheiras, posso ir buscar. Qual é o endereço na Mooca? Moro na R. Cuiabá

      1. Olá, Abílio! Como vai? O telefone que você procura está no final da minha reportagem. Confira lá. Um abraço.

    1. Oi, Maria Cristina! Como vai?
      Acesse a reportagem e você verá os contatos da Alheiras.com no final.
      Obrigado,
      Claudio Schapochnik, editor

  3. Caro claudio.
    Sou netô de portugueses
    ” MARTINS” morava zona norte Vila Guilherme meus irmãos ainda moram lá. Eu estou agora em Maceió / AL.
    Será que estando aqui no nordeste poderei comprar suas alheiras e os bolinhos com queijo. ?????
    Por favor mande resposta pelo WHATSAPP (82) 999740235
    Nelson Antonio Martins.
    Agradecido

  4. Amei imenso todo o texto, e também por saber que existe uma delicia dessas aqui em SP. Bravo aos meus conterrâneos que em boa hora tiveram essa ideia. Sou Português genuíno,,,kkkk e posso dizer que apenas não gostei de uma coisa. ALHEIRA NÃO LEVA CARNE DE PORCO que fique claro, é de aves e de carne de caça, tudo o resto são modernices e de gente que quer inventar o que foi inventado faz séculos. Certo que servem com batata frita e ovo estrelado e arroz, mas isso é em restaurantes um pouco por todo Portugal, agora o tradicional é; Ovo estrelado, batata cozida e grelos de couve, sendo a alheira assada numa chapa em cima de brasas ou carvão.

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