Páscoa chegando… Vamos harmonizar? (Parte 1)

por Lucia Grimaldi*

Olá, caros internautas! Páscoa chegando, época de abstenção para uns e de boa mesa para outros. A Páscoa, ou melhor dizendo, a Semana Santa, é o ápice da Quaresma, data muito importante do calendário cristão. Período de reflexão e recolhimento, os costumes quaresmais e pascais variam bastante entre os povos do mundo inteiro. Mas duas coisas são certas: o cardápio da Páscoa é especial, seja pelo motivo cristão, ou não; e o vinho não pode faltar, pois segundo as Sagradas Escrituras foi a bebida da Santa Ceia!

Representação da Última Ceia, por Juan de Juanes, onde podemos ver o vinho no decanter. Quebra-cabeça Santa Ceia com 1.000 peças da Grow (foto baixada do site www.magazineluiza.com.br)

Assim como a Páscoa, a harmonização de comida com vinho é um tema amplo e apaixonante. Em minha opinião, vinho bom, o melhor, é aquele que você gosta de beber, sozinho ou acompanhado de um bom prato. É uma questão muito particular e depende muito do gosto, do paladar e da sensibilidade de cada um. Então, por que harmonizar? Para tirar um proveito maior da experiência de sabores, tanto do prato quanto do vinho. Quando bem combinados, potencializam o prazer à mesa. Em breve, escreverei um texto voltado para dicas básicas e fáceis para você harmonizar seu vinho e seu prato preferidos, um com o outro!

Por ora, vamos focar na Páscoa. Achei por bem dividir este texto em duas partes: a primeira, com algumas sugestões de pratos salgados para Sexta-Feira Santa e o Domingo de Páscoa e alguns vinhos para harmonizar. A segunda parte, que será publicada na semana que vem, trará algumas dicas de sobremesas de chocolate e um pouco sobre o polêmico tema da harmonização de chocolate e vinho. Lembrando que nossa coluna tem por foco o vinho nosso de cada dia!

Para este texto, contei com a assessoria da minha mama, a dona Mara, a quem credito todas as receitas. Ah, é muito importante dizer que todas foram preparadas em sua cozinha várias e várias Páscoas!

Aqui está a dona Mara, saboreando seu arroz com creme de milho e carne ao molho de vinho, acompanhados por um espumante (fotos Lucia Grimaldi)

Bem, todo mundo sabe que o cardápio desta época é bastante calórico regado a muito azeite de oliva e chocolate. Para aliviar a nossa consciência um pouquinho, sugiro uma entrada deliciosa e bem light, que harmonizou muito bem com o vinho branco da Vinícola Rio Sol elaborado com as uvas brancas chenin blanc e viognier.

Bruschetta de abobrinha
Ingredientes: abobrinhas bem lavadas e com casca, cortadas em rodelas grossas; tomates maduros cortados em rodelas; rodelas de queijo coalho; orégano e azeite de oliva a gosto
Modo de preparo: untar uma assadeira com azeite de oliva e distribuir as rodelas de abobrinha. Colocar uma rodela de tomate e uma de queijo sobre cada rodela de abobrinha. Polvilhar com orégano e regar com azeite. Levar ao forno até o queijo derreter. Servir ainda quente

Bruschettas prontas para ir ao forno
Rio Sol Chenin Blanc – Viognier. As bruschetas prontas combinaram muito bem com o vinho branco da Rio Sol. Um corte de chenin blanc e viognier (se não se lembram do significado de “corte” no mundo do vinho, deem uma olhadinha na matéria da semana passada no link), este vinho da Rio Sol tem aromas de pêssego e lichia e acidez média

Agora, vamos ao cardápio principal. Como todo mundo sabe, o prato tradicional da Sexta-Feira Santa é o bacalhau assado no forno.

Bacalhau ao forno
Os ingredientes para este prato devem ter a sua quantidade determinada pelo número de apreciadores, bem como dependerá do gosto do mestre-cuca. Aqui sugiro ingredientes suficientes para servir cinco pessoas: um quilo de lombo de bacalhau cozido em três águas diferentes, que devem ser mudadas assim que levantar fervura; 500 g de batatas descascadas e cortadas em rodelas, cozidas na última água em que o bacalhau foi cozido; duas cebolas cortadas em rodelas finas; quatro dentes de alho cortados em fatias finas; um pimentão vermelho e outro amarelo cortados em tiras; 100 g de azeitonas pretas; e azeite de oliva a gosto. Atenção: nesta receita não é preciso sal algum, além daquele que é próprio do bacalhau
Modo de preparo: refogar a cebola, o alho e o pimentão em azeite até que murchem. Em um pirex, colocar em camadas o azeite, as batatas, o bacalhau, os legumes refogados e as azeitonas pretas. Regar com muito azeite, cobrir o pirex com papel alumínio e levar ao forno médio

Ao contrário do que muita gente pensa, o bacalhau não harmoniza apenas com vinho branco. Em Portugal, a preferência é pelo vinho tinto. A untuosidade e os sabores intensos deste prato pedem um vinho com boa acidez, bons aromas e bons sabores de frutas maduras e um pouco encorpado. A presença de acidez e fruta no vinho criam uma sensação encantadora, ao que chamamos de harmonização por contraste.

Na harmonização por contraste, a combinação acontece exatamente pela diferença, pela oposição entre os sabores da comida e do vinho. No nosso caso, a acidez do vinho vai “limpar” a boca da gordura, da untuosidade trazida pelo bacalhau, enquanto os sabores e aromas frutados vão se contrapor ao salgado do prato, havendo um encaixe perfeito. Experimentem!

Plainas Vinho Verde Branco. Vinho português descompromissado, refrescante, com boa acidez, aromas de frutas cítricas, levemente frisante, fácil de beber e com uma garrafa muito linda! Da Portuguese Wines Shop
Três exemplares de vinhos elaborados com a uva branca sauvignon blanc, de países diferentes, mas com a acidez e a mineralidade características desta uva, muito aromáticos e que harmonizam com o bacalhau por contraste de sabor. Da esquerda para a direita: Luis Felipe Edwards Gran Reserva Sauvignon Blanc Seléccion de Familia (Chile), Vinho Pascal JolivetPouilly Fume (França), ambos da Mistral, e Matua Marlborough Sauvignon Blanc (Nova Zelândia), da Matua

Para quem prefere o vinho tinto, sugiro vinhos elaborados com a uva pinot noir. São vinhos mais leves, muito aromáticos, com boa acidez e taninos macios, excelentes para harmonizar com peixes de sabor forte, como o bacalhau. Quando jovens, têm aromas de frutas vermelhas frescas, como morango e cereja, e especiarias. Após um período de envelhecimento, as notas de frutas frescas dão lugar para frutas em compota, cogumelo e couro. Veja algumas sugestões deste vinho, cada um com nuances próprias do seu país de origem, com destaque para o francês.

Matua Marlborough Pinot Noir (Nova Zelândia), da Matua
Wave Series Pinot Noir, do Pão de Açúcar
Louis Jadot Santenay Clos de Malte (França), da Todovino

Mas há quem, como eu, não goste muito do popular prato português. Então, aqui estão mais duas deliciosas sugestões.

Moqueca da Vovó (porção para 5 pessoas)
Ingredientes: 500 g de peixe em postas (tais como garoupa, badejo ou cação), 500 g de filé de camarão e 500 g de lagosta em cubos temperados com limão, sal, pimenta do reino e curry a gosto, uma cebola fatiada em rodelas largas, um pimentão amarelo fatiado, um pimentão vermelho fatiado, dois tomates grandes maduros, sem pele e sem sementes, picados, duas colheres de sopa de salsa picada, um tablete de caldo de legumes, azeite de oliva, 200 ml de leite de coco (um vidro), uma colher de sopa de azeite de dendê
Modo de preparo: em uma caçarola, derreter o caldo de legumes no azeite de oliva e dourar a cebola. Acrescentar o peixe, o camarão e a lagosta e deixar refogar. Adicionar os demais ingredientes (exceto o leite de coco e o dendê) e continuar refogando até murcharem. Baixar o fogo e acrescentar o leite de coco e o azeite de dendê previamente misturados, sem deixar levantar fervura, misturando cuidadosamente, para não esfarelar o peixe. Provar o sal

Vinhos para harmonizar com a moqueca da vovó:

Alvarinho Vinho Verde Exclusividade Pingo Doce, da Pingo Doce. Vinho frutado e aromático, refrescante e persistente na boca, com notas florais e sabores cítricos de limão siciliano e boa acidez
Latitud 33° Mendoza Chardonnay, da Wine. Vinho com aromas e sabores de abacaxi, pêssego e nectarina, tem notas de banana e leves toques amanteigados e torrados, resultado do envelhecimento parcial e barris de carvalho, e boa acidez na boca
Vinho Nieto Senetiner Emilia Chardonnay Viognier, do Extra. Vinho muito interessante, como aromas de maçã vermelha, goiaba e abacaxi e boa acidez, intrigante na boca, bom corpo e persistência, graças à combinação das uvas brancas chardonnay e viognier

Bobó de camarão (porção para 5 pessoas)
Ingredientes: 500 g de filé de camarões temperados com limão, sal e pimenta do reino, um quilo de mandioca (ou macaxeira ou aipim, todos sinônimos desta delícia brasileira), uma cebola picada, dois dentes de alho picados, dois tomates bem maduros, sem pele e sem sementes, picados, 120 ml de leite de coco (pouco mais de meio vidro); azeite de oliva para refogar o camarão, uma colher de sobremesa de azeite dendê, duas colheres de sopa de salsinha picada (opcional)
Modo de preparo: cozinhar a mandioca, deixar esfriar um pouco e bater no liquidificar com a água do próprio cozimento, em quantidade suficiente para ficar cremoso. Em uma panela, refogar bem o camarão no azeite, acrescentar a cebola, o alho, a tomate, refogar um pouco mais e acrescentar o creme de mandioca. Mexer cuidadosamente. Colocar o leite de coco e o azeite de dendê. Provar o sal e cozinhar um pouco em fogo baixo. Finalize com a salsinha

Assim como a moqueca, o bobó de camarão combina muito bem vinhos brancos secos, mais frescos, com boa acidez e menor teor de álcool, pois ambos são pratos com sabores mais intensos e untuosidade presente, graças ao leite de coco e ao azeite de dendê. Aqui também optei pela harmonização por contraste:

Casal Miranda Vinho Verde Loureiro Escolha, da Ingá Vinhos. Vinho com boa acidez, leve e persistente na boca, aromas e sabores de frutas cítricas, como lima e maçã verde. Ótimo custo benefício
Deinhard Green LabelRiesling, da Cantu Importadora. Delicioso vinho alemão da uva riesling, tem aromas frutados e florais, ótima acidez e sabores de maracujá, maçã verde, nectarina e limão siciliano, com toques de gengibre e ardósia molhada. Uma explosão de aromas e sabores!
Chardonnay Santa Rita 3 Medallas, do Pão de Açúcar. Vinho leve, fácil de beber, excelente para quem está iniciando. Com aromas cítricos e florais, notas minerais e levemente amanteigadas, também pode ser usado no preparo de pratos culinários

Apesar de tradicionais na Sexta-Feira Santa, estes pratos podem ser a estrela do Domingo de Páscoa, mas há quem prefira um bom pernil assado ou uma receita com carne vermelha.

O pernil assado não tem muito segredo e cada um tem seu jeito especial de prepará-lo. Então vou dar uma sugestão fácil e saborosa de um prato com carne vermelha, um Rocambole de Lagarto. Eis a receita:

Uma peça de lagarto limpa e aberta com a faca, como se fosse uma folha de papel. Temperar com sal, pimenta do reino, salsa e cebolinha picadas, alho e cebola raladas. Em seguida, distribuir sobre a carne temperada fatias de presunto de peru e queijo muçarela, lâminas de bacon e lascas de cenoura. Enrolar como se fosse um rocambole, amarrar com fio de nylon de cozinha, para não abrir, regar com azeite de oliva e levar ao forno, coberto com papel alumínio, para assar.

O rocambole de lagarto

Este prato tem sabores intensos e pede um vinho igualmente intenso, mais encorpado. Trata-se da harmonização por semelhança, quando a combinação acontece porque as características do vinho e da comida são parecidas e se encaixam mutuamente, uma valorizando a outra. Prefira vinhos elaborados com uvas tintas como a cabernet franc e a tannat, que têm taninos presentes, acidez equilibrada, aromas intensos e sabores de frutas negras, como amora e groselha, notas de pimenta e chocolate e toques herbáceos. Aliás, estas uvas também são muito usadas em corte com outras uvas, proporcionando maior suavidade ao vinho. Confira:


Villa Castro Gran Reserva Cavernet France (acima) e o Villa Castro Tannat Reserva, ambos da Vinha Gramado, são exemplos de que o Brasil pode produzir ótimos vinhos tintos

Ah… Já ia me esquecendo! Para acompanhar qualquer um dos pratos desta matéria, sugiro o bom e velho arroz branco e uma salada de folhas verdes, ambos com características neutras, que não vão interferir no sabor dos personagens principais.

E então? Harmonizar por contraste ou por semelhança? Depois me conte sua experiência, mas não se esqueça que vinho bom é aquele que você gosta!

Bom apetite e até a próxima semana, com segunda parte deste delicioso texto!

Um brinde!

*Lucia Grimaldi, colunista do Que Gostoso!, é graduada e pós-graduada em fonoaudiologia e direito e possui a certificação internacional Wine & Spirit Education Trust (WSET) nível 2. Contatos: grimaldipervino@gmail.com e o instagram @grimaldipervino

8 comentários sobre “Páscoa chegando… Vamos harmonizar? (Parte 1)

  1. Eita,
    Fiquei tão preocupado em divulgar no face que esqueci de comentar. A autora tem dado ótimas sugestões de vinhos e comidas. Temos apenas que ter tempo de fazer os pratos, porque a bebida já vem pronta. Não custa tentar. Não sei se existirá o vinho quando terminar de fazer o prato. O jeito é aceitar duas sugestões de vinho para cada prato. Bebe-se um enquanto cozinhamos e o outro enquanto comemos. SAÚDE.

    1. É isso mesmo, caro Fábio: cozinhar com uma taça de vinho ao lado! Grande ideia! E depois, conte pra gente como foi sua experiência enogastronômica. Saúde!

  2. Lúcia, que delícia! Mais um aprendizado, vinhos que se harmonizam por contraste. Nunca havia pensado sob este prisma. O vinho verde que você citou combinaria mais com que tipo de alimento? Gratidão

    1. Cara Viviane, o vinho verde tem uma acidez bem marcante! Por isso, gosto de combiná-lo com pratos mais gordurosos, porque ele “limpa” a boca da gordura do alimento. Também harmoniza bem com sushi e com aperitivos, como queijos de sabores mais intensos. Saúde!

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