Entrevista com a fotógrafa de gastronomia Inês De Divitiis Gianni

por Claudio Schapochnik

Quantas vezes você, caro(a) leitor(a), salivou ao ver uma foto de um prato num jornal, numa revista, num site, no cardápio de um bar ou restaurante, no Facebook ou no Instagram e teve aquela vontade de comê-lo imediatamente? Isto é “culpa” de um profissional cada vez mais requisitado hoje em dia: o fotógrafo especializado em gastronomia. O Que Gostoso!, na estreia na seção “Prosear”, entrevista uma destas profissionais: a Inês De Divitiis Gianni (foto acima/divulgação).

Conheço a Inês há muito tempo. Eu e ela frequentamos a mesma turma nos quatro anos do curso de jornalismo na PUC-SP, no início da década de 1990. Inês é paulistana, tem 46 anos e é casada com o administrador de empresas Renato Gianni, de 53 anos. São os pais da Valentina, com 11 anos.

Nesta entrevista, feita via e-mail, Inês conta sobre como chegou na fotografia e, sobretudo, na fotografia relacionada à gastronomia. Ela agradece aos “empurrões” dados pelo pai – arquiteto e filho de italianos de Acquamela, na região de Nápoles, falecido em 2004 – e pela amiga Sandra Agianni.

Tagliarini com camarões, limão siciliano e tomates frescos para o La Nonna di Lucca, em São Paulo (fotos Inês De Divitiis Gianni)
O drinque Negroni para o Posto 9, em São Paulo

“Em tempos de redes sociais, [a fotografia de gastronomia] ganhou uma importância ainda maior. Hoje em dia a maior parte das casas tem Facebook e, principalmente, o Instagram como uma ferramenta importante de divulgação e também de interação com o consumidor”, justifica Inês sobre o seu trabalho.

“E olha que há pratos deliciosos, mas que não são nada fotogênicos e aí está um dos melhores desafios para um fotógrafo de gastronomia”, completa ela, cuja mãe é neta de italiano, da cidade de Lucca.

Claro! As fotos de pratos e bebidas publicadas nesta entrevista são da Inês. Leia a seguir a íntegra da entrevista.

QUE GOSTOSO! – Você fez jornalismo na PUC-SP e fomos colegas de classe nos quatro anos do curso. Você chegou a trabalhar nesta área?
Inês De Divitiis Gianni – Verdade Schapo, bons tempos aqueles né? Sim, eu trabalhei na área desde o primeiro ano de faculdade, em assessoria de imprensa. Ainda enquanto estudava passei no curso de Focas do Estadão, foi uma oportunidade incrível, disputei com 300 estudantes de jornalismo e eram apenas 30 vagas. Pude trabalhar por três meses na redação do jornal e aprender muito nas aulas com grandes profissionais do jornalismo. Depois disso, continuei atuando em assessoria de imprensa. Trabalhei por mais de 20 anos nessa área até o nascimento da minha filha em 2007, nessa época resolvi diminuir o ritmo e passei a trabalhar como freelancer, em casa, mas ainda com assessoria de imprensa, com pilotos da stock car.

QUE GOSTOSO! – Inês, na PUC-SP, a gente tinha aula de fotografia, lembra? Nada de fotografia digital… Filme de rolo, revelação, espera da secagem das fotos. Era um outro mundo. Sua atração pela fotografia começou ali?
Inês – Olha Schapo, eu penso que hoje aproveitaria muito mais aquelas aulas maravilhosas. Na época, eu gostava da matéria, mas estava muito mais focada em texto, então não me envolvi completamente como gostaria hoje (risos). Era uma matéria que eu gostava, mas ainda não havia me despertado para a fotografia. Eu sempre amei escrever e nessa época meu foco total era em texto.

Harmonização de queijo e cerveja para o Empório Sabor & Cia, de São Paulo
Café e corações de chocolate para a Marilis Produtos sem Glúten, de São Paulo

QUE GOSTOSO! – Quando você pensou e decidiu entrar de corpo inteiro na fotografia, virar uma fotógrafa profissional? Por quê?
Inês – A fotografia entrou na minha vida sem que eu percebesse muito. Quando minha filha já estava com uns cinco anos, eu estava bem desligada da área de comunicação, vivia um período em que me sentia cansada de atuar com assessoria de imprensa, o trabalho não me dava mais prazer. Me sentia um pouco estagnada e sem rumo na área profissional. Tinha a certeza de não querer mais trabalhar em assessoria. Nessa época comecei a fazer fotos pela cidade, eu gostava muito de fotografar prédios, a arquitetura da cidade e seus personagens pelas ruas, mas fazia isso do meu celular. Comecei a postar muitas dessas fotos nas minhas redes sociais.

Alguns amigos e conhecidos começaram a comentar, até que um dia, uma amiga minha que mora em Londres, que eu não vejo há uns 25 anos, a Sandra Agianni, me mandou uma mensagem no Facebook em que dizia que via minhas fotos, que adorava. Em certo momento da conversa, ela disparou: “Você nunca pensou em trabalhar com fotografia? Deveria!”. Levei um susto porque nunca havia imaginado, mas aquela conversa plantou uma sementinha em mim. Pensei, nossa!, fotografar é algo que me dá tanto prazer, por que não?

Na época, meu marido também foi super incentivador e me estimulou muito a procurar um curso para que eu estudasse, me aprimorasse etc. Acho que a Sandra nem sabe, mas ela foi quem me deu um start sobre o assunto (risos).

QUE GOSTOSO! – Influências familiares e de grandes profissionais do setor ajudaram nesta escolha? Se sim, pode citar nomes e explicar os motivos?
Inês – As influências familiares são fundamentais e dizem muito sobre o que somos ou nos tornamos. Sob este ponto de vista, acredito que o interesse pela fotografia já estava em meu DNA, com certeza! Apesar de arquiteto, meu pai fotografava muito bem. Fez registros maravilhosos de nossa infância, retratos em preto e branco que demonstram o quanto entendia de luz, composição e enquadramento, tinha um senso estético incrível. Uma pena que ele não chegou a conhecer meu trabalho como fotógrafa, pois faleceu em 2004. Eu admiro muitos fotógrafos, grandes profissionais, mas a minha escolha foi bastante “introspectiva” se é que se pode dizer isso (risos).

Eu fui conduzida sem perceber, me guiei pelo prazer mesmo que a fotografia me proporcionava e foi isso que me motivou.

Sanduíche de mozzarella de búfala e presunto cru para o Empório Sabor & Cia
Salada Caprese para o Posto 9

QUE GOSTOSO! – Financeiramente a fotografia compensa mais que o jornalismo? Por quê?
Inês – Eu acho que ambos são mercados muito difíceis e muito competitivos. Vivemos sempre driblando as crises financeiras do nosso País e, nestes casos, a comunicação, seja assessoria de imprensa ou fotografia, sempre é uma das coisas que as empresas cortam nesses momentos, portanto são mercados bastante difíceis.

QUE GOSTOSO! – Decidida, você fez o curso de fotografia na Escola Panamericana de Arte e Design, em São Paulo. Foi de quando a quando? Por que escolheu esta instituição? Gostou do curso?
Inês – Sim, antes de decidir eu pesquisei bastante as opções disponíveis. Eu achei o curriculum da Panamericana bastante completo, são dois anos de curso, com muitas horas semanais e profissionais super preparados. Foi o que me chamou bastante a atenção e me fez escolher. Gostei, sim! Acho que foi uma base muito importante para compreender a fotografia, claro que a prática é fundamental para quem quer trabalhar na área, mas acho imprescindível fazer um curso.

QUE GOSTOSO! – E, me conta, por que você resolveu, dentro da fotografia, trabalhar com gastronomia? Paixão? Mais oportunidades de trabalho? Outros motivos?
Inês – Schapo, sempre me interessei bastante pelo universo da gastronomia. Quando trabalhava em assessoria de imprensa, já era uma das minhas áreas favoritas de trabalho, inclusive cheguei a acompanhar muitas sessões de fotografia em restaurantes que atendi. No curso da Panamericana há um módulo curto sobre fotografia de gastronomia e foi um dos que mais gostei, porque gosto muito de fazer a parte de produção da foto também, pensar e compor o cenário da foto. É uma parte que gosto muito de fazer, e a fotografia de gastronomia oferece essa oportunidade.

A entrada Crostini de Minas para o La Nonna di Lucca
O sorvete de frutas vermelhas para a Santin Ice Cream

QUE GOSTOSO! – Por que a fotografia é importante para um restaurante/bar na comunicação com o público?
Inês – Eu acho que cada vez mais a fotografia é fundamental. Em tempos de redes sociais, ganhou uma importância ainda maior. Hoje em dia a maior parte das casas tem Facebook e, principalmente, o Instagram como uma ferramenta importante de divulgação e também de interação com o consumidor. Se antigamente as fotos de pratos já eram fundamentais para a divulgação dos restaurantes e uma das ferramentas principais para o uso das assessorias de imprensa, hoje em dia essa importância é ainda maior em função desses novos canais.

QUE GOSTOSO! – Eu valorizo os pratos muitas vezes, primeiramente, pelo visual. Se esta¡ bonito, dependendo do meu orçamento (risos) e se a descrição me agrada, possivelmente vou escolhê-lo. De fato, uma foto bonita e bem produzida ajuda a vender?
Inês – Eu tenho certeza que sim, Schapo! Assim como uma foto ruim ajuda a afastar o consumidor. A foto é a primeira impressão que se tem do prato, claro que o sabor é o fundamental, mas aí está o grande desafio do fotógrafo de gastronomia: o de aguçar o paladar apenas pela visão. O emprego de uma luz adequada, uma ambientação convidativa, tudo isso ajuda muito a destacar as cores de um prato e transmitir aquela vontade de comer em quem está vendo a fotografia. E olha que há pratos deliciosos, mas que não são nada fotogênicos e aí está um dos melhores desafios para um fotógrafo de gastronomia.

Ceviche para o La Nonna di Lucca

QUE GOSTOSO! – Os restaurateurs, os profissionais de marketing, os donos de casas, os chefs e os cozinheiros, cada um tem seu conhecimento do negócio da alimentação. No que toca à importância da imagem, todos pensam igual ou não?
Inês – Eu acredito que as coisas estão mudando bastante nesse sentido, Schapo. Eu percebo um respeito profundo pelos profissionais de fotografia durante um trabalho. Eu acho que tudo é a forma como o profissional se relaciona com o chef, com o restaurateur, com os profissionais de marketing envolvidos em cada trabalho. O chef de cozinha é quem sabe como aquele prato deve ser servido, como ele é empratado e como chega à mesa do cliente. Então é fundamental uma conversa prévia com ele para saber esses detalhes e respeitar a forma como o prato é montado. Esse respeito deve sempre prevalecer, mas cabe ao fotógrafo saber qual o ângulo ideal para fazer ressaltar aos olhos aquele prato maravilhoso.

O dono do restaurante e o profissional de marketing quando contratam um fotógrafo já devem saber que podem confiar que o melhor será feito porque, no final, o objetivo de todos é uma imagem bonita, atrativa.

QUE GOSTOSO! – Geralmente como os restaurantes/bares chegam até você? Indicação, portfólio, custo, os três juntos, outros fatores?
Inês – Depende muito. Tenho recebido muitos clientes novos que conhecem meu trabalho por meio do meu Instagram e me procuram – aliás, é incrível o poder dessa ferramenta. Há ainda uma parcela grande que me contrata via assessoria de imprensa também, além de indicações, claro, que sempre acontecem.

Gotas de cookies para a Marilis Produtos sem Glúten

QUE GOSTOSO! – Você trabalha sozinha ou tem profissionais que te ajudam na produção?
Inês – Eu trabalho sozinha porque, como disse, eu amo a parte de produção e adoro fazê-la. Gosto muito de pensar no cenário possível e carrego em todas as sessões uma malinha com um pequeno acervo de paninhos, utensílios de cozinha etc que muitas vezes utilizo para compor os cenários.

QUE GOSTOSO! – Fala a verdade, Inês… (risos) Depois da sessão de flashes, você e, eventualmente, alguém que trabalha contigo naquele serviço, comem os pratos? O destino dos pratos é o estômago mesmo ou não?
Inês – Essa é uma curiosidade frequente, muita gente me pergunta (risos). Sim, em geral, a gente acaba provando os pratos, sim. Apesar que muitas vezes o alimento sofre uma maquiagem extra para aparecer mais suculento na foto. Por exemplo, biscoitos ganham uma pincelada de azeite para não parecerem opacos. Já fiz muito isso em fotografias de biscoitos recheados, aí não tem como comer depois (risos).

Em restaurantes, muitas vezes, provamos um ou outro prato, mas há sessões de fotos que tem uns 15 pratos um atrás do outro, daí não há como comer tanto assim (risos), mas o pessoal da casa acaba comendo também.

QUE GOSTOSO! – Como é a sua satisfação de ver suas fotos ilustrarem cardápios, sites, instagrams das casas que te contratam?
Inês – Ah! É sempre uma sensação gostosa de ver um trabalho replicando em redes sociais, matérias etc. É sempre muito gratificante ver esses resultados e imaginar que tem muita gente vendo nossas fotos por aí e o melhor, sentindo vontade de comer aqueles pratos.

Biscoitos Bananinhas para a Marilis Produtos sem Glúten
Sorvete de morango para a Santin Ice Cream

QUE GOSTOSO! – Como tem sido o retorno dos restaurantes/bares que já te contrataram?
Inês – Tem sido sempre bastante positivo. Há restaurantes em que já fotografei mais de uma vez. É bacana perceber que as pessoas gostaram do seu trabalho, que te indicam etc.

QUE GOSTOSO! – Fotografia de gastronomia é acessível para bares e restaurantes de micro ou pequeno portes? Ou seja, estes têm chances de ter contratar?
Inês – Super acessível, de verdade. Eu trabalho direto também com pequenos empreendedores e tem sido muito positivo, consigo adequar o orçamento de forma a tornar acessível a fotografia para eles. Até porque é uma realidade cada vez maior. Em meio a tanto desemprego, muitas pessoas acabaram descobrindo na gastronomia uma forma, às vezes a única, de obter uma renda. Esses pequenos empreendedores da gastronomia se utilizam muito das redes sociais para vender, então a procura por um material fotográfico profissional cresceu bastante nesse segmento. Fora que é muito gratificante poder ampliar o acesso à fotografia de gastronomia.

QUE GOSTOSO! – Quais são os seus desafios nesta carreira profissional?
Inês – Como profissional, a gente se desafia o tempo todo para se aprimorar cada vez mais na profissão que escolhemos. Quero trabalhar cada vez mais neste segmento que adoro e, para isso, pratico muito, pesquiso bastante, estudo, porque tudo isso é fundamental para se desenvolver cada vez mais.

Imprimir seu estilo fotográfico em cada trabalho é um desafio constante, mas que dá muito prazer. E o que venho tentando fazer sempre, não gosto das fotos onde os ingredientes estão milimétricos. Tenho um estilo mais despojado, não me importo em usar uma tábua riscada, por exemplo, gosto dessa pegada mais rústica. Por isso meu trabalho não é voltado a fotografia publicitária.

Rosquinhas sem glúten para a Marilis Produtos sem Glúten
A fotógrafa Inês durante trabalho (foto divulgação)

QUE GOSTOSO! – Quais são as tendências na fotografia de gastronomia que você enxerga para os próximos anos?
Inês – Eu acredito em um crescimento nessa área. Por tudo que comentei do peso das redes sociais, da concorrência cada vez mais acirrada e de consumidores mais exigentes também, acredito que seja um mercado em expansão. Claro que, infelizmente, sempre concorreremos com os smartphones, mas o empresário do setor gastronômico também já sabe a importância de se ter um material fotográfico profissional e de quanto isso é importante para a comunicação de seu negócio.

Outra vertente é que cada vez mais os restaurantes investem nos cardápios digitais onde as fotos são o carro-chefe, isso é uma tendência cada vez maior também.

QUE GOSTOSO! – Em relação a livros: você ja esteve em algum projeto? Ou vai estar? Pode adiantar? E um sonho estar num projeto deste? Quer fazer o seu próprio?
Inês – Puxa, ainda não! Mas certamente é um sonho que gostaria de realizar. Tenho um projeto meu na gaveta, que envolve memórias familiares de receitas, com textos e, claro, fotografias desses pratos. Ainda vou colocar em prática!

Os contatos da Inês são pelo Instagram @inesddg e pelo site www.photofoodmkt.com.br.

Para conhecer os estabelecimentos fotografados pela Inês, clique aqui: Posto 9, La Nonna di Lucca, Marilis Produtos sem Glúten, Santin Ice Cream e Empório Sabor & Cia.

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